A Rede de Mulheres das Águas e das Florestas (REMAF) reúne 62 lideranças defensoras da sociobiodiversidade, que vivem no Norte e Nordeste do Brasil.
O protagonismo feminino vem se destacando com mais frequência e força nos embates contra as injustiças climáticas e sociais no Brasil e no mundo. A máxima ‘onde tem mulher, tem floresta em pé’ ratifica o que as pesquisas revelam.
Um estudo realizado pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, mostrou que as mulheres possuem uma maior consciência e melhores atitudes aos fatores ambientais e maior envolvimento em relação à conservação do meio ambiente. O estudo vem de encontro com outras pesquisas, segundo dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o sexo feminino representa 70% das pessoas pobres do mundo e 80% de todos os refugiados por problemas climáticos, ou seja, as mulheres não têm opção!
A luta das indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhas, integrantes de comunidades pesqueiras e periféricas é pela sobrevivência delas próprias e das comunidades e/ou territórios em que vivem, por isso, as mulheres se tornaram protagonistas nestes embates.
“Para mim fazer parte dessa rede é muito importante, muito interessante porque nós sabemos que nós – mulheres indígenas, afro pindorâmicas, afro diaspóricas – recebemos a carga de toda escravização, da invasão de nossas terras. Eu digo que a gente não escolheu a luta, a gente foi colocada dentro dela. Então a gente é colocada nessa situação porque nós fomos educadas e ensinadas pra isso: Resistir.”, observa Maria Lúcia de Oliveira, ribeirinha, mãe solo, defensora popular e mãe de santo que vive na comunidade Boa Esperança, em Teresina (PI).
A Comunidade Boa Esperança, conhecida pelas lagoas e rios, luta contra o progresso e os interesses do Programa Lagoas do Norte, da Secretaria de Planejamento de Teresina, que tem como objetivo duplicar a via que atravessa a comunidade, para construir um complexo turístico de alto padrão. Mas, o projeto só pode continuar se as famílias forem retiradas daquela área e suas casas derrubadas e Maria Lúcia é uma das lideranças que está na luta para que a comunidade permaneça no local.
Os limites geopolíticos as separam, mas os desafios e a natureza as une.
Maria Lúcia de Oliveira está a mais de 2 mil km da cacica Milena kokama, mas a distância entre elas é apenas geográfica, pois Milena trava uma batalha semelhante a da ribeirinha. No caso dela, para que os indígenas que vivem em aldeias localizadas no município de Atalaia do Norte, região do Alto Solimões, no Amazonas, continuem vivos e resistindo aos assédios de garimpeiros, madeireiros, pescadores ilegais entre outros.
Recentemente, a região ficou conhecida internacionalmente como o lugar onde ocorreram os assassinatos do jornalista inglês, Dom Philips, e do indigenista, Bruno Araújo Pereira. Localizada na tríplice fronteira amazônica (Brasil, Colômbia e Peru), Atalaia do Norte tem cerca de 21 mil habitantes que, há décadas, convivem com as consequências da presença insuficiente do Poder Público e o avanço da criminalidade.
Na Amazônia, mulheres que estão na linha de frente do combate à exploração ilegal dos recursos naturais da floresta, invasão de terras e expropriação de povos sofrem violências que vão além de seus corpos.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Igarapé com 287 defensoras da Bacia Amazônica no Brasil, Colômbia e Peru mostra que 47% delas foram vítimas de algum tipo de violência entre 2021 e 2022.
Milena, que também integra a Rede de Mulheres das Águas e das Florestas (REMAF) sofre ameaças e teme pela própria vida.
“Aos 75 anos de idade eu tenho muitos sonhos. E o primeiro sonho é não ter que ficar mais no Programa de Proteção à Vida. Eu quero ter o direito de viver! De ir e vir. Eu quero ter o direito de estar com meus filhos, com meus netos sem estar sendo ameaçada, escondida e fugindo como se eu fosse uma bandida. E o meu crime é defender a mãe natureza, defender a vida. O meu sonho também é não ver mais notícias de que lideranças como eu foram assassinadas.”, desabafou a ativista durante um encontro da REMAF.
O fortalecimento dessas mulheres, por meio da REMAF é essencial, pois muitas correm risco de morte. Uma pesquisa realizada pela ONG Global Witness revelou que o Brasil é o segundo país mais letal para ambientalistas em todo o mundo.
Em 2022, pelo menos 177 ativistas ambientais foram mortos em decorrência da
atuação e 34 desses assassinatos ocorreram em território brasileiro.
Rede de Mulheres das Águas e das Florestas
A Rede de Mulheres das Águas e das Florestas foi criada durante o Seminário ‘Mulheres da Floresta’, organizado pela Fundação Amazônia Sustentável em março de 2023, para reunir e fortalecer mulheres ativistas e líderes da sociobiodiversidade brasileira.
“A FAS nasceu tendo como um dos seus pilares o protagonismo de mulheres da Amazônia profunda, porque sabemos que mulheres são fundamentais para a defesa de seus territórios e prosperidade de suas comunidades. Desde 2008, com a implementação da política pública, o Bolsa Floresta, a FAS tem buscado incentivar e apoiar ativamente iniciativas lideradas por mulheres de dentro da Amazônia, mas também de fora dela também e para nós é uma grande satisfação poder acompanhar o crescimento e evolução rápida da REMAF no Brasil”, diz Valcleia Solidade, Superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da FAS.
Apesar de ser independente, a rede é apoiada por organizações como a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), a BrasilFoundation, Green Economy Coalition e Oak Foundation e hoje conta com a secretaria executiva de Marysol Goes, responsável pelo HUB de Bioeconomia Amazônica, rede coordenada pela FAS em parceria com a Green Economy Coalition que articula e conecta mais de 160 lideranças e organizações que promovem uma bioeconomia amazônica inclusiva.
“Para nós tem sido um grande privilégio contribuir no fortalecimento institucional da REMAF, partindo das experiências que a FAS possui articulando e incubando redes na Amazônia há dez anos. Além disso, a construção de uma rede de mulheres defensoras das águas e das florestas dialoga diretamente a um dos objetivos do Hub de Bioeconomia Amazônica que é o de fortalecer capacidades locais para o fomento de uma bioeconomia inclusiva dentro e para além da Amazônia brasileira”, conclui Marysol.