Restaurante SUMIMI das mulheres Kambeba alia gastronomia à bioeconomia amazônica
O protagonismo das mulheres indígenas no âmbito da bioeconomia amazônica vai muito além do artesanato e do extrativismo. Na comunidade indígena Três Unidos, localizada à margem esquerda da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro, o Restaurante Sumimii completa, em 2024, 15 anos de atividade, um ótimo exemplo que mostra como as indígenas realmente praticam a economia verde e a gastronomia sustentável, muito antes desses conceitos ganharam espaço na mídia e na própria academia, por meio de pesquisas.
O Restaurante Sumimi oferece no cardápio opções que mesclam os pratos tradicionais do povo Kambeba com a culinária regional amazônica e já conquistou prêmios, além de muitos clientes ao longo destes anos. Gerenciado pela empreendedora Neurilene Cruz, o restaurante é comunitário das mulheres Kambeba e faz parte da comunidade do Hub de bioeconomia amazônica, secretariado pela Fundação Amazônia sustentável (FAS)>
“Aqui na nossa comunidade nós trabalhamos juntas, então dependo das demandas de pedidos vamos agregando mais mulheres aos serviços do restaurante. Quando eu comecei a empreender com o restaurante eu contei com a ajuda de um arquiteto que estava desenvolvendo um trabalho aqui na comunidade e não pensei em investir num negócio para mim e sim, num negócio que pudesse fortalecer todas as mulheres da comunidade e até de outras vizinhas.”, comentou Neurilene Cruz.
Logo no início o nome do restaurante era ASMIGK – Associação das Mulheres Indígenas Kambebas – Sumimi na língua Kambeba significa o nome de um pássaro chamado Japiim. Neurilene conta que a mudança do nome aconteceu pela identificação dessas mulheres com o animal da fauna local.
“Esses pássaros estão entre os tecelões do Novo Mundo, o que significa que as fêmeas fazem um incrível trabalho artesanal, tecendo ninhos de gravetos, capim e fibras de palmeira e eles ainda imitam vários sons e sempre estão inovando, então achamos que era o nome ideal pro nosso restaurante, pois assim que nós nos vemos aqui, sempre inovando e construindo juntas”, explica a gerente Neurilene Cruz.
As indígenas empreendedoras que põem em prática os preceitos da gastronomia sustentável, usando os produtos de acordo com a estação já ganharam um prêmio. Em 2016, elas competiram num concurso de gastronomia organizado pelo Consulado da Mulher com um prato típico do Povo Kambeba; o Fani, que é feito com macaxeira ralada e o gigante dos rios amazônicos, o pirarucu, envoltos na folha da bananeira e assados na brasa. O prêmio trouxe novos eletrodomésticos e uma quantidade em dinheiro que foi revertida em melhorias para o restaurante.
A gastronomia sustentável é um conceito que vem sendo amplamente difundido. Trata-se de uma série de técnicas e hábitos incorporados para transformar a culinária em algo mais responsável do ponto de vista ambiental, social e econômico.
Seu objetivo central é diminuir os impactos ambientais provocados no segmento, seja pelo combate ao desperdício de alimentos, pelo uso de ingredientes locais.
A Comunidade Três Unidos reúne atualmente 40 famílias de indígenas do Povo Kambeba e tudo começou quando o pai de Neurilene, o tuchaua Waldemir da Silva resolveu que não ficaria mais na aldeia Igarapé Grande, localizada no município de Alvarães localizado a 531 quilômetros de distância da capital do Amazonas, Manaus.
A motivação da mudança da família de Neurilene da região do Rio Solimões para a do Rio Negro, mais precisamente no Rio Cueiras foi uma tragédia familiar.
“A minha irmã caçula engoliu uma moeda quando ela era pequena e começou a adoecer. Meu pai trabalhou incansavelmente para levar ela até Tefé, que era a cidade com mais estrutura nas proximidades, mas ao chegar lá ela teve de ser transferida para Manaus. Não tínhamos recurso e foi muito difícil até que meu pai conseguisse fazer a remoção dela e quando ela foi ser atendida em Manaus, ela já estava muito debilitada e acabou falecendo. Meu pai ficou muito abalado e resolveu que não queria mais ficar num lugar longe de assistência médica.”, relembra Neurilene Cruz.
Assim, há 33 anos, o tuchaua Valdemir Cruz desembarcava com a mulher, Diamantina Cruz, e os 5 filhos na área em que hoje é a comunidade. Aos poucos outros indígenas Kambeba que viviam na Aldeia Igarapé e na Aldeia Jaquiri, localizada no município de Uarini, também da Região do Solimões começaram a vir para comunidade Três Unidos, que pertence ao município de Manaus.
O restaurante sumini é apenas um dos empreendimentos indígenas na comunidade. Os kambeba perceberam que a área do Rio Negro e Rio Cuieiras não era boa para o roçado e a agricultura, como a do Solimões, e resolveram investir em empreendimentos que fortalecessem o turismo de base comunitária.
Hoje a comunidade do Povo kambeba é referência em turismo de base comunitária dentro do chamado Mosaico Rio Negro e já conta com a Pousada Cantos dos Pássaros, o Hostel Kambeba e uma Loja de artesanato indígena.O acesso é por via fluvial, com embarcações saindo a partir da marina do Davi.