Conectividade na Amazônia: a saúde a um clique de distância - FAS - Fundação Amazônia Sustentável
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Conectividade na Amazônia: a saúde a um clique de distância

Conectividade na Amazônia: a saúde a um clique de distância
agosto 8, 2024 Daniel Belalian

Conectividade na Amazônia: a saúde a um clique de distância

08/08/2024

 

Imagine viver longe da cidade, próximo a uma floresta tropical e às margens de um grande rio, dependendo diretamente dos recursos naturais. Agora imagine, em plena pandemia, ter que se deslocar de barco durante horas até o hospital ou clínica mais próxima só para ser atendido. Essa é a realidade de milhares de comunidades ribeirinhas e indígenas que, além das distâncias, enfrentam entraves relacionados ao acesso à energia elétrica e à internet. Para alterar esse quadro, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e parceiros, entre eles a Embaixada da França, têm promovido ações de telessaúde para realizar teleatendimentos, webpalestras e teleorientações, envolvendo oito especialidades da área de saúde. Mais de 3,5 mil pessoas foram beneficiadas até agora.

Desde a implementação do projeto, iniciada em maio de 2020, foram instalados 32 pontos de telessaúde, com internet e placa solar para auxiliar no acesso à energia elétrica, em 24 unidades de conservação (UCs) e em três terras indígenas (TIs) na Amazônia. Até o fechamento da reportagem, foram realizados 127 atendimentos via internet com diversos especialistas: fonoaudiólogos, nutricionistas, assistentes sociais, educadores físicos, fisioterapeutas, enfermeiros, médicos e psicólogos. A previsão para 2021 é de que pelo menos mais 97 pontos de telessaúde sejam implementados em áreas de proteção (TIs e UCs).

 

(Foto: Samara Souza)

A proposta, idealizada por meio da “Aliança Covid Amazonas” – iniciativa criada pela FAS em conjunto com 119 parceiros –, foi uma oportunidade de enfrentamento da Covid-19, principalmente ao evitar o deslocamento de pessoas a locais aglomerados e de difícil acesso, reduzindo riscos de contaminação e propagação da doença.

Na comunidade indígena Três Unidos, localizada na Área de Proteção Ambiental do Rio Negro, a artesã Sebastiana Diniz sentiu os efeitos do projeto de telessaúde após a instalação da internet, destinada aos teleatendimentos, e de painéis solares para geração de energia. “Antes quando alguém precisava de um atendimento ou tinha que tomar uma injeção, não tinha como fazer, porque estava tudo escuro. E agora não, qualquer hora que a gente chega aqui tem energia. Se precisar de um psicólogo, tem como chamar para atender a gente”. Três Unidos conta com um Polo Base, onde ocorrem os atendimentos, que variam entre webpalestras, atendimentos online feitos por profissionais da saúde e teleorientações com agentes comunitários de saúde das comunidades.

 

(Foto: Samara Souza)

 

As áreas de proteção contempladas com pontos de telessaúde receberam instalações de internet e painéis de energia solar, além de doações de equipamentos como notebooks e EPIs. Para o coordenador do Programa Saúde na Floresta da FAS, Luiz Castro, o Telessaúde é um projeto inovador que tem desbravado as possibilidades da implementação de um sistema de saúde eficiente, a partir do uso de tecnologias da informação e comunicação. “Agora, a Amazônia está entrando em um momento de maior conectividade e informação e de aprender a lidar com essa nova realidade da pandemia. E os parceiros perceberam a importância dos pontos de telessaúde como ferramentas a mais para a saúde”.

 

(Foto: Rodolfo Pongelupe)

 

Saúde mental

Em tempos de pandemia, comunidades indígenas e ribeirinhas têm sentido os efeitos da solidão por causa do isolamento físico, somado às perdas de entes queridos e à situação de fragilidade econômica. Consequentemente, sentimentos como ansiedade, angústia, tristeza e depressão vêm à tona. A FAS preocupou-se em apoiar o fornecimento de um serviço de atendimento psicológico remoto que atendesse às “dores da alma” dessa população de forma acolhedora. Tudo tem sido feito gratuitamente, já que a renda é um fator determinante para o acesso a esse tipo de tratamento: quanto maior a renda, maior o acesso.

À medida em que a FAS implementa os pontos de telessaúde, a Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade (FUnATI) provê os profissionais da psicologia para realizarem os teleatendimentos. O psicólogo Ivo Jung, da FUnATI ficou responsável pelas consultas, feitas diretamente do Rio Grande do Sul. Segundo ele, uma das primeiras preocupações surgidas no início da pandemia foi uma possível intensificação de problemas ligados à saúde mental. “É algo que se agrava quando as pessoas estão em situações difíceis e, quanto mais vulnerável é uma comunidade, mais esses problemas surgem. A onda de depressão e ansiedade tem aumentado muito e com a pandemia nós decidimos dar prioridade à saúde mental”.

Por ser uma área ainda elitista, a psicologia é muito pouco acessível às pessoas de baixa renda. Por isso mesmo, um projeto como esse, de acordo com Jung, tem um enorme potencial de tornar a saúde mental um assunto mais debatido até mesmo nas regiões mais remotas da Amazônia. “A grande maioria das pessoas das comunidades nunca tinha ouvido falar de terapia ou se consultado com psicólogo antes, então essa foi uma novidade super inovadora”. As particularidades das comunidades também foram levadas em conta. “A vida comunitária é muito rica em termos de relações sociais, então as pessoas sofreram muito quando tiveram que se isolar por vários meses e não puderam interagir com os vizinhos. Nas comunidades, também há muitos casos de luto de crianças que se afogam no rio”.

“A onda de depressão e ansiedade tem aumentado muito e com a pandemia nós decidimos dar prioridade à saúde mental.”

Assim que os primeiros casos de Covid-19 começaram a surgir em Três Unidos, comunidade que eventualmente acabou tomada pela doença, Sebastiana Diniz já sentia a necessidade de ajuda profissional, visto que o abalo emocional se intensificou ainda mais quando comunidades vizinhas fecharam as portas. “Eu estava deprimida e não conseguia dormir à noite pensando que as pessoas criticavam a gente por estar com essa doença; então eu ficava só dentro de casa, não queria falar com ninguém e não aceitava essa situação”, afirma Sebastiana, complementando que, após a consulta, a sensação foi de alívio e bem-estar.

O acolhimento oferecido na comunidade também foi crucial para Marina Cruz que, assim como a maioria das pessoas da comunidade, se consultava pela primeira vez com um psicólogo. “Eu recomendo para todo mundo que está passando por um momento difícil que vá falar com o psicólogo, porque é da nossa vida que a gente está falando e o psicólogo é quem vai nos ajudar a entender melhor tudo isso”.

Marina enxerga no atendimento psicológico uma forma de assegurar maior equilíbrio emocional e afirma que as consultas têm proporcionado a ela maior confiança. “Ele me ajudou a ter mais segurança comigo mesma. Eu falei para ele que tenho um filho que mora longe, conversamos muito e ele me garantiu que tudo ia dar certo, então achei que a conversa foi muito importante para esse momento”.

Um dos desafios iniciais, segundo o psicólogo, foi instruir agentes comunitários de saúde (ACS) sobre as melhores formas de tratar o assunto de saúde mental, até então quase inexistente nas comunidades. “Essa é uma preocupação que deve ser encarada como tão importante quanto questões de ordem física. É uma forma de ensinar a levar a sério esses problemas e eventualmente criar um filtro sobre quais pessoas precisam desse tipo de atendimento”. Para Jung, “a telessaúde é uma ferramenta que deveria ser implementada no Brasil inteiro. O fato de poder, com uma quantidade menor de recursos e de profissionais, provocar mudanças significativas, é muito importante”.

Teleorientações e webpalestras

Sabendo da importância dos agentes comunitários de saúde e dos desafios enfrentados na atenção básica à saúde, a FAS também tem promovido as chamadas “teleorientações” e “webpalestras”, que consistem em atividades para auxiliar remotamente os profissionais da saúde sobre questões como: as melhores formas de atender pacientes, os usos devidos de aparelhos médicos e a instalação de plataformas remotas, com espaços para tirar dúvidas e relatar experiências. Além da Embaixada da França, outro importante parceiro é a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que executa o sistema IPTV, por meio do qual os ACS podem acessar informações disponibilizadas por profissionais da saúde da UEA, facilitando o teleatendimento.

(Foto: Dirce Quintino)

Em uma das teleorientações, o consultor em saúde da FAS, Rodrigo Pereira, explicou sobre as melhores formas de utilizar os aparelhos de triagem doados às comunidades, como oxímetro, termômetro digital e medidor de pressão e de glicose. Segundo ele, a intenção também era desmistificar informações falsas e esclarecer dúvidas. “Também acolhemos algumas das principais demandas. Muitos ACS, por exemplo, já falaram de acidentes frequentes que ocorrem, como os ofídicos, acidentes relacionados a picadas de cobras, e eles precisam estar preparados para lidar com isso”.

“Mais de 80% das pessoas na minha comunidade apresentaram sintomas de Covid, e as webpalestras me ajudaram a identificar os casos mais rapidamente e a tomar providências logo.”

Na mesma teleorientação, uma das dúvidas levantadas por um dos participantes, o ACS Lázaro Correia das Chagas, morador da comunidade Abelha, na RDS do Juma, foi a respeito do ambiente da consulta. “A gente precisa de um local reservado para as pessoas se sentirem à vontade para, por exemplo, tirar a roupa durante os exames sem se preocupar”, afirmou, logo depois sendo complementado por Rodrigo, que garantiu que esses espaços serão disponibilizados e nenhum paciente deverá ser exposto. Lázaro também elaborou o formulário de triagem, que contém as informações necessárias sobre os pacientes, e discutiu na reunião sobre o documento. “Uma das coisas que vou ter que melhorar é sempre anotar o problema e o motivo de o paciente querer atendimento”.

 

(Foto: Samara Souza)

 

A Reserva Extrativista (Resex) Catuá-Ipixuna foi uma das seis unidades de conservação que recebeu webpalestras com profissionais da UEA. Andreane de Sena é agente comunitária de saúde da comunidade Bela Conquista, localizada na reserva, e participou dos encontros que envolveram temas como primeiros socorros, diagnóstico da Covid-19 e controle de diabetes. “Uma das coisas que eu aprendi e procurei colocar em prática foi como detectar a situação de saúde de cada comunitário. Mais de 80% das pessoas na minha comunidade, por exemplo, apresentaram sintomas de Covid, e as webpalestras me ajudaram a identificar os casos mais rapidamente e a tomar providências logo”.

Teleatendimentos

Para auxiliar o trabalho de agentes comunitários de saúde e técnicos de enfermagem da comunidade Tumbira, durante e após a pandemia, a FAS executou uma ação que batizou de “telemutirão” com profissionais de saúde para atender remotamente pacientes da comunidade localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro. A ação contou com a mobilização de profissionais da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) de Iranduba.

(Foto: Rodolfo Pongelupe)

Em comunidades que enfrentam inúmeras barreiras de acesso à energia elétrica, conectar-se à internet para se consultar com tantos profissionais foi um trabalho que demandou esforços coletivos. Embora combater os efeitos da Covid-19 seja uma das metas do projeto, prover serviços clínicos de qualidade também está entre um dos principais escopos da iniciativa. Segundo a supervisora do Programa Saúde na Floresta, Kelly Souza, o “telemutirão” criou uma maneira rápida e eficaz de acesso a esses serviços. “Não foi só apertar um botão e ligar o computador para realizar o atendimento. Houve um processo longo, de meses, com toda uma articulação para criar pontes e conectar os pontos de telessaúde”.

“Tudo que é novo assusta e antes os médicos e enfermeiros vinham presencialmente quase todo mês, então foi um impacto receber a notícia de que os atendimentos seriam pelo computador. Mas eu vi que deu certo e a parede que eu tinha formado dentro de mim se destruiu hoje”.

O médico clínico geral Carlos Alejandro e o enfermeiro Diego Queiroz participaram juntos da ação e realizaram atendimento online diretamente do município de Iranduba/AM. O médico, natural de Cuba, aprovou prontamente o teleatendimento e afirmou que, em 30 anos de profissão, foi a primeira vez que realizou esse tipo de atendimento, mas que pretende continuar atendendo pacientes via computador. De acordo com o enfermeiro, o projeto serviu para complementar a saúde municipal, mas afirmou que alguns ajustes ainda precisam ser feitos. “Houve certa dificuldade de comunicação com outros profissionais por conta de falhas de conexão e, além disso, alguns pacientes precisavam de uma intervenção mais rápida com medicamentos. Mas, no geral, a experiência foi positiva, o teleatendimento rompeu barreiras logísticas e representou uma economia de deslocamento para todos”.

Mas não foi apenas o processo de logística, infraestrutura, conexão e aquisição de equipamentos que mostrou-se desafiante para a ação. Uma modalidade nova e com algumas desvantagens – como a incapacidade de exames físicos e a falta de familiaridade com novas tecnologias – gerou, em princípio, um sentimento de relutância das pessoas. É o que explica a agente comunitária de saúde, a jovem Krisiane Brito do Nascimento, uma das responsáveis por acompanhar o processo: “Nem todo mundo entende e tem gente que diz que não funciona por ser um atendimento a distância. Mas nós corremos atrás, avisamos a comunidade, conseguimos trazê-los e ficamos felizes por essa conquista”.

(Foto: Rodolfo Pongelupe)

 

O que antes era visto com apreensão pela professora Inês Cristina Alencar, agora transformou-se em uma experiência a ser repetida. Depois que resolveu romper o preconceito, Inês levou pela primeira vez o filho de seis anos para uma consulta online com um psicólogo e um fonoaudiólogo. “Tudo que é novo assusta e antes os médicos e enfermeiros vinham presencialmente quase todo mês, então foi um impacto receber a notícia de que os atendimentos seriam pelo computador. Mas eu vi que deu certo e a parede que eu tinha formado dentro de mim se destruiu hoje”.

Sobre a Aliança Covid-Amazonas

A iniciativa “Aliança dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais e Organizações Parceiras do Amazonas para o Enfrentamento do Coronavírus”, coordenada pela FAS, tem o apoio de 119 parceiros, entre instituições públicas e privadas, empresas e prefeituras. Os recursos arrecadados pela articulação são utilizados para atender as particularidades de cada região do Amazonas no combate à pandemia. As doações para a Aliança podem ser feitas pelo site: fas-amazonas.org ou e-mail: [email protected].

Conectividade na Amazônia: a saúde a um clique de distância
março 16, 2021 FAS

Conectividade na Amazônia: a saúde a um clique de distância

16/03/2021
Duas mulheres e uma criança fazendo atendimento de Telessaúde no interior do Amazonas.

Imagine viver longe da cidade, próximo a uma floresta tropical e às margens de um grande rio, dependendo diretamente dos recursos naturais. Agora imagine, em plena pandemia, ter que se deslocar de barco durante horas até o hospital ou clínica mais próxima só para ser atendido. Essa é a realidade de milhares de comunidades ribeirinhas e indígenas que, além das distâncias, enfrentam entraves relacionados ao acesso à energia elétrica e à internet. Para alterar esse quadro, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e parceiros, entre eles a Embaixada da França, têm promovido ações de telessaúde para realizar teleatendimentos, webpalestras e teleorientações, envolvendo oito especialidades da área de saúde. Mais de 3,5 mil pessoas foram beneficiadas até agora.

Desde a implementação do projeto, iniciada em maio de 2020, foram instalados 32 pontos de telessaúde, com internet e placa solar para auxiliar no acesso à energia elétrica, em 24 unidades de conservação (UCs) e em três terras indígenas (TIs) na Amazônia. Até o fechamento da reportagem, foram realizados 127 atendimentos via internet com diversos especialistas: fonoaudiólogos, nutricionistas, assistentes sociais, educadores físicos, fisioterapeutas, enfermeiros, médicos e psicólogos. A previsão para 2021 é de que pelo menos mais 97 pontos de telessaúde sejam implementados em áreas de proteção (TIs e UCs).

 

(Foto: Samara Souza)

A proposta, idealizada por meio da “Aliança Covid Amazonas” – iniciativa criada pela FAS em conjunto com 119 parceiros –, foi uma oportunidade de enfrentamento da Covid-19, principalmente ao evitar o deslocamento de pessoas a locais aglomerados e de difícil acesso, reduzindo riscos de contaminação e propagação da doença.

Na comunidade indígena Três Unidos, localizada na Área de Proteção Ambiental do Rio Negro, a artesã Sebastiana Diniz sentiu os efeitos do projeto de telessaúde após a instalação da internet, destinada aos teleatendimentos, e de painéis solares para geração de energia. “Antes quando alguém precisava de um atendimento ou tinha que tomar uma injeção, não tinha como fazer, porque estava tudo escuro. E agora não, qualquer hora que a gente chega aqui tem energia. Se precisar de um psicólogo, tem como chamar para atender a gente”. Três Unidos conta com um Polo Base, onde ocorrem os atendimentos, que variam entre webpalestras, atendimentos online feitos por profissionais da saúde e teleorientações com agentes comunitários de saúde das comunidades.

 

(Foto: Samara Souza)

 

As áreas de proteção contempladas com pontos de telessaúde receberam instalações de internet e painéis de energia solar, além de doações de equipamentos como notebooks e EPIs. Para o coordenador do Programa Saúde na Floresta da FAS, Luiz Castro, o Telessaúde é um projeto inovador que tem desbravado as possibilidades da implementação de um sistema de saúde eficiente, a partir do uso de tecnologias da informação e comunicação. “Agora, a Amazônia está entrando em um momento de maior conectividade e informação e de aprender a lidar com essa nova realidade da pandemia. E os parceiros perceberam a importância dos pontos de telessaúde como ferramentas a mais para a saúde”.

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(Foto: Rodolfo Pongelupe)

 

Saúde mental

Em tempos de pandemia, comunidades indígenas e ribeirinhas têm sentido os efeitos da solidão por causa do isolamento físico, somado às perdas de entes queridos e à situação de fragilidade econômica. Consequentemente, sentimentos como ansiedade, angústia, tristeza e depressão vêm à tona. A FAS preocupou-se em apoiar o fornecimento de um serviço de atendimento psicológico remoto que atendesse às “dores da alma” dessa população de forma acolhedora. Tudo tem sido feito gratuitamente, já que a renda é um fator determinante para o acesso a esse tipo de tratamento: quanto maior a renda, maior o acesso.

À medida em que a FAS implementa os pontos de telessaúde, a Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade (FUnATI) provê os profissionais da psicologia para realizarem os teleatendimentos. O psicólogo Ivo Jung, da FUnATI ficou responsável pelas consultas, feitas diretamente do Rio Grande do Sul. Segundo ele, uma das primeiras preocupações surgidas no início da pandemia foi uma possível intensificação de problemas ligados à saúde mental. “É algo que se agrava quando as pessoas estão em situações difíceis e, quanto mais vulnerável é uma comunidade, mais esses problemas surgem. A onda de depressão e ansiedade tem aumentado muito e com a pandemia nós decidimos dar prioridade à saúde mental”.

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Por ser uma área ainda elitista, a psicologia é muito pouco acessível às pessoas de baixa renda. Por isso mesmo, um projeto como esse, de acordo com Jung, tem um enorme potencial de tornar a saúde mental um assunto mais debatido até mesmo nas regiões mais remotas da Amazônia. “A grande maioria das pessoas das comunidades nunca tinha ouvido falar de terapia ou se consultado com psicólogo antes, então essa foi uma novidade super inovadora”. As particularidades das comunidades também foram levadas em conta. “A vida comunitária é muito rica em termos de relações sociais, então as pessoas sofreram muito quando tiveram que se isolar por vários meses e não puderam interagir com os vizinhos. Nas comunidades, também há muitos casos de luto de crianças que se afogam no rio”.

“A onda de depressão e ansiedade tem aumentado muito e com a pandemia nós decidimos dar prioridade à saúde mental.”

Assim que os primeiros casos de Covid-19 começaram a surgir em Três Unidos, comunidade que eventualmente acabou tomada pela doença, Sebastiana Diniz já sentia a necessidade de ajuda profissional, visto que o abalo emocional se intensificou ainda mais quando comunidades vizinhas fecharam as portas. “Eu estava deprimida e não conseguia dormir à noite pensando que as pessoas criticavam a gente por estar com essa doença; então eu ficava só dentro de casa, não queria falar com ninguém e não aceitava essa situação”, afirma Sebastiana, complementando que, após a consulta, a sensação foi de alívio e bem-estar.

O acolhimento oferecido na comunidade também foi crucial para Marina Cruz que, assim como a maioria das pessoas da comunidade, se consultava pela primeira vez com um psicólogo. “Eu recomendo para todo mundo que está passando por um momento difícil que vá falar com o psicólogo, porque é da nossa vida que a gente está falando e o psicólogo é quem vai nos ajudar a entender melhor tudo isso”.

Marina enxerga no atendimento psicológico uma forma de assegurar maior equilíbrio emocional e afirma que as consultas têm proporcionado a ela maior confiança. “Ele me ajudou a ter mais segurança comigo mesma. Eu falei para ele que tenho um filho que mora longe, conversamos muito e ele me garantiu que tudo ia dar certo, então achei que a conversa foi muito importante para esse momento”.

Um dos desafios iniciais, segundo o psicólogo, foi instruir agentes comunitários de saúde (ACS) sobre as melhores formas de tratar o assunto de saúde mental, até então quase inexistente nas comunidades. “Essa é uma preocupação que deve ser encarada como tão importante quanto questões de ordem física. É uma forma de ensinar a levar a sério esses problemas e eventualmente criar um filtro sobre quais pessoas precisam desse tipo de atendimento”. Para Jung, “a telessaúde é uma ferramenta que deveria ser implementada no Brasil inteiro. O fato de poder, com uma quantidade menor de recursos e de profissionais, provocar mudanças significativas, é muito importante”.

Teleorientações e webpalestras

Sabendo da importância dos agentes comunitários de saúde e dos desafios enfrentados na atenção básica à saúde, a FAS também tem promovido as chamadas “teleorientações” e “webpalestras”, que consistem em atividades para auxiliar remotamente os profissionais da saúde sobre questões como: as melhores formas de atender pacientes, os usos devidos de aparelhos médicos e a instalação de plataformas remotas, com espaços para tirar dúvidas e relatar experiências. Além da Embaixada da França, outro importante parceiro é a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que executa o sistema IPTV, por meio do qual os ACS podem acessar informações disponibilizadas por profissionais da saúde da UEA, facilitando o teleatendimento.

(Foto: Dirce Quintino)

Em uma das teleorientações, o consultor em saúde da FAS, Rodrigo Pereira, explicou sobre as melhores formas de utilizar os aparelhos de triagem doados às comunidades, como oxímetro, termômetro digital e medidor de pressão e de glicose. Segundo ele, a intenção também era desmistificar informações falsas e esclarecer dúvidas. “Também acolhemos algumas das principais demandas. Muitos ACS, por exemplo, já falaram de acidentes frequentes que ocorrem, como os ofídicos, acidentes relacionados a picadas de cobras, e eles precisam estar preparados para lidar com isso”.

“Mais de 80% das pessoas na minha comunidade apresentaram sintomas de Covid, e as webpalestras me ajudaram a identificar os casos mais rapidamente e a tomar providências logo.”

Na mesma teleorientação, uma das dúvidas levantadas por um dos participantes, o ACS Lázaro Correia das Chagas, morador da comunidade Abelha, na RDS do Juma, foi a respeito do ambiente da consulta. “A gente precisa de um local reservado para as pessoas se sentirem à vontade para, por exemplo, tirar a roupa durante os exames sem se preocupar”, afirmou, logo depois sendo complementado por Rodrigo, que garantiu que esses espaços serão disponibilizados e nenhum paciente deverá ser exposto. Lázaro também elaborou o formulário de triagem, que contém as informações necessárias sobre os pacientes, e discutiu na reunião sobre o documento. “Uma das coisas que vou ter que melhorar é sempre anotar o problema e o motivo de o paciente querer atendimento”.

 

(Foto: Samara Souza)

 

A Reserva Extrativista (Resex) Catuá-Ipixuna foi uma das seis unidades de conservação que recebeu webpalestras com profissionais da UEA. Andreane de Sena é agente comunitária de saúde da comunidade Bela Conquista, localizada na reserva, e participou dos encontros que envolveram temas como primeiros socorros, diagnóstico da Covid-19 e controle de diabetes. “Uma das coisas que eu aprendi e procurei colocar em prática foi como detectar a situação de saúde de cada comunitário. Mais de 80% das pessoas na minha comunidade, por exemplo, apresentaram sintomas de Covid, e as webpalestras me ajudaram a identificar os casos mais rapidamente e a tomar providências logo”.

Teleatendimentos

Para auxiliar o trabalho de agentes comunitários de saúde e técnicos de enfermagem da comunidade Tumbira, durante e após a pandemia, a FAS executou uma ação que batizou de “telemutirão” com profissionais de saúde para atender remotamente pacientes da comunidade localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro. A ação contou com a mobilização de profissionais da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) de Iranduba.

(Foto: Rodolfo Pongelupe)

Em comunidades que enfrentam inúmeras barreiras de acesso à energia elétrica, conectar-se à internet para se consultar com tantos profissionais foi um trabalho que demandou esforços coletivos. Embora combater os efeitos da Covid-19 seja uma das metas do projeto, prover serviços clínicos de qualidade também está entre um dos principais escopos da iniciativa. Segundo a supervisora do Programa Saúde na Floresta, Kelly Souza, o “telemutirão” criou uma maneira rápida e eficaz de acesso a esses serviços. “Não foi só apertar um botão e ligar o computador para realizar o atendimento. Houve um processo longo, de meses, com toda uma articulação para criar pontes e conectar os pontos de telessaúde”.

“Tudo que é novo assusta e antes os médicos e enfermeiros vinham presencialmente quase todo mês, então foi um impacto receber a notícia de que os atendimentos seriam pelo computador. Mas eu vi que deu certo e a parede que eu tinha formado dentro de mim se destruiu hoje”.

O médico clínico geral Carlos Alejandro e o enfermeiro Diego Queiroz participaram juntos da ação e realizaram atendimento online diretamente do município de Iranduba/AM. O médico, natural de Cuba, aprovou prontamente o teleatendimento e afirmou que, em 30 anos de profissão, foi a primeira vez que realizou esse tipo de atendimento, mas que pretende continuar atendendo pacientes via computador. De acordo com o enfermeiro, o projeto serviu para complementar a saúde municipal, mas afirmou que alguns ajustes ainda precisam ser feitos. “Houve certa dificuldade de comunicação com outros profissionais por conta de falhas de conexão e, além disso, alguns pacientes precisavam de uma intervenção mais rápida com medicamentos. Mas, no geral, a experiência foi positiva, o teleatendimento rompeu barreiras logísticas e representou uma economia de deslocamento para todos”.

Mas não foi apenas o processo de logística, infraestrutura, conexão e aquisição de equipamentos que mostrou-se desafiante para a ação. Uma modalidade nova e com algumas desvantagens – como a incapacidade de exames físicos e a falta de familiaridade com novas tecnologias – gerou, em princípio, um sentimento de relutância das pessoas. É o que explica a agente comunitária de saúde, a jovem Krisiane Brito do Nascimento, uma das responsáveis por acompanhar o processo: “Nem todo mundo entende e tem gente que diz que não funciona por ser um atendimento a distância. Mas nós corremos atrás, avisamos a comunidade, conseguimos trazê-los e ficamos felizes por essa conquista”.

(Foto: Rodolfo Pongelupe)

 

O que antes era visto com apreensão pela professora Inês Cristina Alencar, agora transformou-se em uma experiência a ser repetida. Depois que resolveu romper o preconceito, Inês levou pela primeira vez o filho de seis anos para uma consulta online com um psicólogo e um fonoaudiólogo. “Tudo que é novo assusta e antes os médicos e enfermeiros vinham presencialmente quase todo mês, então foi um impacto receber a notícia de que os atendimentos seriam pelo computador. Mas eu vi que deu certo e a parede que eu tinha formado dentro de mim se destruiu hoje”.

Sobre a Aliança Covid-Amazonas

A iniciativa “Aliança dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais e Organizações Parceiras do Amazonas para o Enfrentamento do Coronavírus”, coordenada pela FAS, tem o apoio de 119 parceiros, entre instituições públicas e privadas, empresas e prefeituras. Os recursos arrecadados pela articulação são utilizados para atender as particularidades de cada região do Amazonas no combate à pandemia. As doações para a Aliança podem ser feitas pelo site: fas-amazonas.org ou e-mail: [email protected].