REPORTAGENS
26/06/2023
Realizado em Uarini (AM), o II Encontro de Líderes da Floresta reuniu 70 adolescentes que moram na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
Por João Cunha (FAS) e Valdeane Santos (Repórter da Floresta)
O coração de Tarcizio pulsava no ritmo do motor de popa de uma catraia. “Desde ontem, eu espero o barco, ansioso”, conta o menino de 13 anos, referindo-se ao transporte que o levaria de Assunção até São Francisco do Aiucá. As duas localidades ribeirinhas pertencem à mesma região do Amazonas; ao mesmo tempo, estão distantes entre si por uma viagem de cinco horas rio adentro rumo ao paraná do Aiucá, afluente do gigantesco rio Solimões. O motivo da expectativa e da jornada de Tarcizio é um só: o II Encontro de Jovens Líderes da Floresta.
Tarcizio Santos, morador da Comunidade Assunção (AM), foi um dos participantes do Encontro de Jovens Líderes da Floresta
Foto: João Cunha
Foi a segunda vez que o evento, realizado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), aconteceu em Uarini, município no interior do estado do Amazonas. Entre os dias 28 a 30 de abril, cerca de setenta adolescentes foram selecionados por suas comunidades de origem para representá-las no encontro, trocando experiências e identificando potências e soluções para problemas que são compartilhados, como as dificuldades de acesso à educação e saúde pública de qualidade.
Realizada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), a iniciativa estimula o empoderamento de jovens ribeirinhos na Amazônia
Foto: João Cunha
Na Comunidade Aiucá, os jovens, que têm entre 13 e 17 anos de idade, viveram uma programação intensa de oficinas, dinâmicas de grupo e rodas de conversa sobre organização social, direitos da criança e do adolescente e formas de reivindicação por políticas públicas com foco nos contextos locais dessa porção da Amazônia. O Encontro dos Jovens Líderes da Floresta faz parte do Projeto Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes Ribeirinhos na Amazônia (Dicara). “O objetivo do projeto é empoderar essas juventudes e levá-las à compreensão que elas são as lideranças do futuro”, informa Gleyciane Alves, educadora social do Programa de Educação para Sustentabilidade (PES) da FAS.
Setenta adolescentes que moram na Reserva Mamirauá participaram dessa edição do evento
Foto: João Cunha
“Buscamos que os jovens desenvolvam a autonomia e o protagonismo”, complementa Avana Franco, educadora social responsável pelo projeto de educação da FAS em Uarini que implementa a ação. “Na nossa equipe, temos quatro instrutores que são frutos do projeto e são das comunidades da região. Então, é muito bom ver e deixar esse legado de pessoas que são daqui fortalecendo a base comunitária, as lideranças e jovens empoderados que podem transformar o futuro deles e das comunidades”.
“Eu vou levar esses conhecimentos como base de experiência de vida”, destaca Lohana Barroso, 16 anos. “Quero contar pros meus colegas o que aprendi sobre democracia e políticas públicas”.
Cada comunidade é um mundo
Mas o que é ser uma liderança? Essa pergunta esteve nas cabeças das garotas e garotos mesmo antes do evento começar. Durante o mês de abril, como preparação para o encontro, a FAS desenvolveu Oficinas de Liderança Jovem em 11 polos comunitários da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), que representam 41 comunidades abrangidas pelo município de Uarini. O propósito central das atividades foi promover a reflexão e debate de temas de participação cidadã e liderança empática e democrática.
“As oficinas somam nesse trabalho que vem sendo feito com as lideranças juvenis, discutindo protagonismo e cidadania”, afirma Miguel Aguiar, assistente social e instrutor do projeto. “Com a mobilização na Reserva Mamirauá, foi possível conhecer a realidade geral, mas também as particularidades de cada comunidade, questões que foram trabalhadas agora no Encontro de Jovens Líderes da Floresta”.
Lideranças inspiradas pelo exemplo e pela tradição
Liderar é organizar o coletivo em torno do bem comum. A juventude que esteve presente na Comunidade Aiucá vivenciou essa lição a partir de referências atuantes na organização e fortalecimento comunitário na região. “É importante escutar a comunidade, conhecer os problemas do seu local e ir atrás das mudanças necessárias”, encorajou Raimundo “Xexéo” Rodrigues.
Atual presidente da Associação de Moradores e Usuários da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – Antônio Martins (Amurmam), Xexéo conversou com o grupo sobre o papel das associações comunitárias e o poder da aliança entre povos da floresta, dos campos e dos rios da Amazônia, reforçando o valor de ser amazônida. “Sou ribeirinho com muito orgulho e levo esse orgulho para todos espaços que vou. Defendendo nossos modos de vida e nossos direitos”.
Raimundo “Xexéo” Rodrigues é presidente da associação da Reserva Mamirauá e inspiração para a juventude da região
Foto: João Cunha
Liderar é ter os pés firmes no chão da terra, conectados com as raízes, mas com os olhos voltados para o futuro. No II Encontro de Jovens Líderes da Floresta, os adolescentes interagiram com lideranças de outras comunidades, aprendendo com elas mais sobre a riqueza cultural dos povos tradicionais.
Maria Auxiliadora Santos é uma dessas lideranças. Moradora da Aldeia Assunção, ela incentiva programas locais de ensino e aprendizagem que se baseiam na língua do povo Kokama. A escola da aldeia atende crianças e adolescentes de Assunção e três comunidades vizinhas, desde o primário até o 9º ano. “Eu vim aqui no Encontro de Líderes, representando o meu povo Kokama, a minha aldeia e trazendo os jovens de lá para participar porque eu sei a importância dessa representatividade. É preciso mostrar e fortalecer as tradições, buscando novos conhecimentos, mas sem esquecer da nossa identidade”, fala.
Educação que forma líderes
Enquanto para alguns a formação de lideranças foi uma novidade completa, para outros a sensação foi de estar em casa. É o caso de Valdeane Santos. A jovem de apenas 16 anos já é uma “veterana” na participação em projetos de mobilização social desenvolvidos pela FAS na Comunidade Punã, onde mora.
Valdeane Santos, jovem liderança na Comunidade Punã (AM)
Foto: João Cunha
Ela, que coleciona certificados em informática, educação e comunicação, entre outras áreas, deseja ir mais longe. “Toda vez que termino um curso, quero colocar os conhecimentos logo em prática, continuar aquilo que aprendi”, explica. Motivada por um curso técnico em empreendedorismo, Valdeane iniciou um negócio na porta da própria casa e investe na venda de açaí, bolo de macaxeira e farinha.
De todas essas especialidades, o jornalismo certamente despertou a maior paixão na adolescente. Desde que participou do projeto Repórteres da Floresta, em 2016, Valdeane adquiriu um objetivo maior: ser uma jornalista formada e seguir o ofício. “Eu admiro muito a profissão, nunca parei de fazer fotos, entrevistas e registrar o cotidiano da minha comunidade”, diz.
Participar do II Encontro dos Jovens da Floresta foi, na definição da repórter da floresta, “uma experiência surreal”. “Rever amigos e conhecer novas pessoas de outras comunidades da reserva e no município, conversar sobre o que a gente precisa e como podemos resolver, juntos, foi muito bom”, afirma.
Como resultado desse intercâmbio de vivências e articulação de olhares sobre as realidades ribeirinhas, foi criado o Manifesto da Juventude da Floresta. O documento, assinado pelos jovens participantes, nasceu de um diagnóstico participativo feito pelos próprios adolescentes sobre as prioridades de seus lugares de origem, como a conectividade de internet, segurança e estrutura adequada para as escolas.
O Manifesto da Juventude da Floresta foi construído pelos participantes da oficina e vai ajudar na criação de políticas públicas para a região
Foto: João Cunha
O manifesto será encaminhado para a prefeitura de Uarini, secretarias municipais e associações comunitárias para a reivindicação de melhorias na qualidade de vida e a garantia de direitos das pessoas que moram nas comunidades ribeirinhas da região, dessas e de futuras gerações.
O Encontro de Líderes da Floresta é uma ação da FAS e conta com a parceria da Unilever. Essa edição do encontro teve o apoio da Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Estado do Amazonas (Sema/AM), da prefeitura de Uarini, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDMCA) e da Amurmam.