REPORTAGENS
21/03/2023
População de quatro municípios do Amazonas tiveram seus esquemas de vacinação reforçados por meio do projeto “Resposta à COVID-19 na Amazônia Brasileira fase 2”
Por Pedro Vinícius
Dentre os inúmeros impactos negativos que assolam o mundo há três anos, o vírus da COVID-19 também trouxe um outro tipo de pandemia, a da desinformação. A vacina, principal arma contra a circulação e contágio da doença, encontra nas fake news um dos maiores desafios para que sua eficácia seja completa.
Porém, o fato é que mesmo antes da pandemia a taxa de cobertura vacinal para doenças já conhecidas pela população vinha sofrendo constantes quedas. A desinformação aliada ao compartilhamento desenfreado de notícias falsas trouxe consigo o risco do ressurgimento de doenças já erradicadas, como o sarampo e a poliomielite.
As duas doenças são exemplos dos efeitos do que a hesitação vacinal traz de volta para a população. Conforme dados do Ministério da Saúde, o sarampo, considerado erradicado no Brasil em 2016, voltou a ser uma realidade para os brasileiros desde 2018 e a poliomielite teve sua cobertura vacinal reduzida para 76% em 2020, longe do que é considerado o ideal.
Nesse cenário, a pandemia de COVID-19 intensificou ainda mais a queda pela procura de vacinas. Segundo pesquisa financiada pela Google e realizada pela Poynter Institute, 44% dos brasileiros dizem receber fake news diariamente, o que constitui um dos motivos principais para que o país voltasse ao mesmo patamar de cobertura vacinal da década de 1980, quando havia menos tipos de vacinas nos calendários de rotina das crianças e altas taxas de incidência de doenças preveníveis com vacinas, de acordo com dados divulgados pela Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações, em 2021.
Um exemplo dos efeitos dessa problemática na vida real pode ser enxergado na fala de José Maria Martins, morador da comunidade Chisa, localizada no município de Iranduba, no estado do Amazonas. Em outubro de 2022, José ainda não havia tomado nem a primeira dose da vacina contra a COVID-19.
“Os meus motivos para não ter tomado eram vários, a gente ouve falar sobre tanta coisa. Alguns dizem que depois de 10 anos a gente vira jacaré, outros dizem que a vacina deixa sequelas e problemas de respiração e de coração. Se fosse para passar por tudo isso, eu não iria tomar”.
Foto: Divulgação/FAS
Relatos como o de José remontam a uma situação recorrente em todos os cantos do país. Desde o início da campanha de vacinação nacional, inúmeras notícias falsas circulam entre a população de diversas formas, seja em grupos de WhatsApp, conversas entre familiares ou até mesmo em falas de figuras públicas governamentais. O discurso negacionista e amedrontador contra a vacina comprova mais uma vez o afastamento de muitas pessoas dos imunizantes.
Riscos da desinformação na Amazônia
Em lugares remotos, o caminho para uma informação verídica e de qualidade passa por ainda mais entraves, esse é o caso de grande parte dos municípios da Amazônia. Uma parte do país em que não é possível a construção de estradas, o deslocamento se dá somente via fluvial, o que pode implicar em muitos dias de viagem no leito dos rios, ou via área, que dependendo da localidade resulta em preços exorbitantes de custeio.
Em muitas dessas localidades, o acesso logístico dificulta o acesso à energia elétrica diário, além da escassez de pontos de conectividade. Dados mais recentes captados pelo Atlas da Notícia, em 2021, apontam que a região norte do Brasil ocupa o primeiro lugar dos conhecidos “desertos de notícias”, o que significa que 63,1% do seu território não possui nenhuma cobertura jornalística.
Dos estados da região, o Amazonas lidera na quantidade de veículos existentes, com 195 registrados, porém, desse número, 140 estão localizados na capital Manaus. O que na prática quer dizer que o estado de maior extensão territorial do país é o que mais possui municípios sem nenhum veículo de notícia. No total, das 62 cidades existentes, 35 são consideradas desertos de notícias.
Essas situações favorecem ainda mais a desinformação e movimentos contrários às campanhas de vacinação. A gerente do Programa Saúde na Floresta da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Mickela Souza, explica que não é preciso fazer muito esforço para encontrar notícias falsas circulando nos celulares de quem mora em comunidades de municípios do interior do Amazonas.
“Temos uma preocupação recorrente que é a COVID-19 e percebemos que a principal ferramenta de controle do vírus, a vacina, tem baixa aderência em comunidades e na Amazônia profunda. Fizemos uma rápida pesquisa entre nossos beneficiários e encontramos rapidamente um grande número de mensagens recebidas via WhatsApp que desestimulam a vacinação contra o vírus”.
Soluções para alavancar a vacinação e evitar as notícias falsas
A FAS, que há 15 anos atua na promoção do desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade de vida das populações ribeirinhas e indígenas, tem em um dos seus eixos de atuação a saúde dessas populações com um dos seus focos prioritários.
Pensado para o fortalecimento de ações para mitigação dos efeitos da pandemia e os percalços que possam desacelerar o enfrentamento do vírus, a FAS, em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Iniciativa de Novos Parceiros, Ampliando Parcerias em Saúde (NPI EXPAND) e SITAWI (Finanças do Bem), realiza o projeto “Resposta à COVID-19 na Amazônia Brasileira fase 2”.
A iniciativa envolve as organizações da sociedade civil em parcerias estratégicas para alavancar soluções inovadoras e escaláveis com o intuito de reforçar a resposta rápida à COVID-19. Entre as atividades desenvolvidas, durante os meses de setembro e novembro de 2022, mais de 650 doses de vacina contra o vírus foram administradas nos municípios de Iranduba, Itapiranga, Manicoré e Eirunepé, localizados no interior do Amazonas.
Assim como o depoimento de José Maria Martins, citado no início da reportagem, outras pessoas com relatos que vão de encontro com essa mesma realidade fizeram parte da campanha liderada pelas organizações e, ao fim, passaram a entender que a melhor maneira de enfrentar a COVID-19 é através da vacinação, que foi intensificada devido ao aumento do número de casos registrados durante a mesma época no ano passado.
Assim como o depoimento de José Maria Martins, citado no início da reportagem, outras pessoas com relatos que vão de encontro com essa mesma realidade fizeram parte da campanha liderada pelas organizações e, ao fim, passaram a entender que a melhor maneira de enfrentar a COVID-19 é através da vacinação.
Foto: Divulgação/ FAS
O depoimento pertence a Sebastião Araújo Pinto, morador da comunidade Água Azul, no município de Manicoré. Ele foi uma das pessoas que iniciou o esquema de vacinação contra a COVID-19 durante a campanha promovida pelo projeto e que também se comprometeu em retornar para o recebimento das demais doses indicadas.
Considerando o atual momento de regressão do contágio pela COVID-19 e o consequente relaxamento nas medidas de prevenção, os casos que ainda evoluem para um estágio mais grave da doença são principalmente concentrados em pessoas que não receberam nenhuma dose da vacina contra o vírus ou aqueles que estão com o esquema vacinal incompleto.
Essas circunstâncias acendem um alerta ainda maior para a necessidade do cumprimento à risca de todas as etapas do ciclo de vacinação. No Amazonas, conforme dados divulgados pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-AM), 69,7% da população tomou a terceira dose e 16%, a quarta dose. Quando olhamos para os dados referentes ao interior do Amazonas, municípios alvo da campanha, apenas 22% possuem cobertura vacinal acima de 80%.
Esses fatores comprovam a importância da busca por soluções para combater os empecilhos que causam o abandono vacinal, que em 2021 chegou a 13% no Amazonas, e justificam o esforço do projeto em apoiar ações que promovam a sensibilização dos amazônidas.
Descontruindo mitos sobre a vacina
Aliada à intensificação das ações de vacinação, também fez parte das atividades a divulgação da campanha online “Espalhe Saúde, Não Covid”, que consiste na veiculação de vídeos que desmistificam as principais fake news sobre a vacina contra COVID-19 no interior do Amazonas, além da produção de folders e cartazes informativos sobre o imunizante e a gravidade da doença.
Os conteúdos abordam assuntos como os dados alarmantes de casos de COVID-19 entre crianças e adolescentes, o resultado eficaz da vacina na diminuição dos índices de óbitos e a segurança dos imunizantes. Ao se deparar com temas que são frequentemente colocados em dúvida, o projeto leva informação de qualidade para contra-atacar as diversas táticas de desinformação que podem nos atingir diariamente. Todos os materiais produzidos em vídeo podem ser vistos aqui.
O resultado final das mais de 600 doses aplicadas entre os quatro municípios contemplados pela campanha, que também contou com a aplicação de 390 doses de vacinas contra doenças variadas como hepatite B e febre amarela, é visto na mudança de comportamento da população vacinada, no entendimento de que o imunizante é a única ferramenta de mudança que consegue, efetivamente, fazer com que a pandemia se torne uma página virada na vida de cada um e que as notícias falsas não sejam mais capazes de atrapalhar o acesso à saúde e a contenção de riscos.
“Com essas ações, conseguimos melhorar o conhecimento da população sobre os aspectos que tangem a saúde de cada um, além de torná-los cada vez mais informados e precavidos acerca da disseminação de notícias falsas que podem atrapalhar o recebimento da vacina”, complementa Mickela.