REPORTAGENS
22/06/2023
Ações do projeto “Resposta à COVID-19 na Amazônia Brasileira fase 2” estimulam a imunização contra a COVID–19 e promovem a qualificação de profissionais de saúde
Por Pedro Vinícius
“Os meus motivos para não ter tomado a vacina eram vários; a gente ouve falar sobre tanta coisa”, diz José Maria Martins, morador da zona rural do munícipio de Iranduba, no interior do Amazonas, ao ser questionado sobre a vacinação contra a COVID-19. Ele completa a fala enumerando alguns dos argumentos que o faziam desistir do imunizante.
“Alguns dizem que depois de dez anos a gente vira jacaré, outros dizem que a vacina deixa sequelas e problemas de respiração e de coração. Se fosse para passar por tudo isso, eu não iria tomar”.
Essa realidade é comum principalmente nas áreas mais remotas do estado, onde os entraves para uma comunicação efetiva sobre a real eficácia e segurança da vacina e as dificuldades logísticas de acesso construíram um cenário desafiador para o enfrentamento da COVID-19.
Os conhecidos agentes comunitários de saúde (ACS) são alguns dos profissionais que estão na linha de frente e conhecem a fundo os problemas enfrentados em comunidades rurais e ribeirinhas do Amazonas. Entre eles, está a agente comunitária Selma Dias.
Também moradora do município de Iranduba, Selma entende as preocupações relatadas por José Maria e explica a recorrência desses achismos em todas as faixas etárias da população.
“Nós já tivemos muitas dificuldades com os idosos e hoje eu vejo que a maior dificuldade é com as crianças. Os pais, muitas vezes, não autorizavam vacinar os filhos devido ao medo das reações da vacina, um burburinho muito frequente que assombrava as comunidades”, relembra.
Turma do curso de Qualificação de Inovações Tecnológicas contra COVID-19 realizado em Iranduba (AM).
Foto: Rodolfo Pongelupe/FAS
Encontrando soluções para o enfrentamento do vírus
Algo que José e Selma possuem em comum, além dessa vivência nas comunidades, é que ambos tiveram a oportunidade de participar das ações do projeto “Resposta à COVID-19 na Amazônia Brasileira fase 2”, iniciativa da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Iniciativa de Novos Parceiros, Ampliando Parcerias em Saúde (NPI EXPAND) e SITAWI (Finanças do Bem).
O projeto envolve as organizações da sociedade civil em parcerias estratégicas para alavancar soluções inovadoras e escaláveis com o intuito de reforçar a resposta rápida à COVID-19, fortalecendo a continuidade do apoio às comunidades ribeirinhas no acesso à atenção primária de saúde de qualidade em um momento em que se vivia a ameaça de novas ondas de contágio da doença e mutações genéticas do vírus.
Para fortalecer as ações de mitigação dos efeitos da pandemia, foram realizadas atividades em diferentes frentes, desde o apoio logístico e operacional aos municípios para as campanhas de vacinação e a capacitação continuada de agentes comunitários e demais profissionais de saúde até o combate às fake news e monitoramento de reações vacinais.
Os municípios de Itapiranga, Iranduba, Eirunepé e Manicoré foram os quatro municípios impactados pelas iniciativas do projeto, que, a partir de outubro de 2022, realizou nove campanhas de vacinação, resultando em um total de 1.228 doses aplicadas de vacina contra a COVID-19.
Entre os beneficiados pelas campanhas, José Maria foi uma das 219 pessoas a receber a primeira dose da vacina, derrubando todas as barreiras construídas pela desinformação e notícias falsas que rodeavam o seu dia-a-dia e o impediam de procurar a imunização.
Além do enfrentamento à COVID-19, as campanhas também tiveram abrangência a outros 19 tipos de imunizantes, como as vacinas contra Influenza e a Hepatite B. Ao todo, 855 doses foram administradas, o que totalizou um montante de 2083 vacinas aplicadas em 46 comunidades localizadas nos quatro municípios contemplados.
Para o Secretário Municipal de Saúde de Itapiranga, Clinger José Castro de Almeida, as ações do projeto vieram para reduzir os obstáculos e o encurtar as distâncias de encontro dos ribeirinhos com as doses do imunizante.
“Essa parceria foi superimportante, tendo em vista as dificuldades que o município de Itapiranga tem com alto custo de viagem às comunidades ribeirinhas do Rio Uatumã. O ribeirinho não precisou mais se deslocar até a sede do município para manter seu cartão de vacinação atualizado. Afinal, a distância é longa e nem sempre eles têm condições financeiras para se deslocar até a cidade”, complementa o secretário.
Campanha de vacinação realizada em UBS fluvial no município de Itapiranga.
Foto: Laryssa Gaynett/FAS
Também com o objetivo de intensificar e fortalecer ainda mais a ampliação da cobertura vacinal nos munícipios, o projeto lançou a campanha de comunicação “Espalhe Saúde, Não COVID”, que consistiu na produção de conteúdos que descontruíam os principais mitos envolvendo a vacina contra a COVID-19 e também promoviam a conscientização da importância da imunização no combate ao vírus.
Entre os materiais, foram desenvolvidos vídeos e animações que comunicavam de forma simples e lúdica os objetivos da iniciativa e conseguiam propagar as mensagens para um público ainda mais diversificado. No total, todos os esforços de comunicação alcançaram mais de 30 mil pessoas em todas as mídias sociais propagadas e, no final das atividades, proporcionaram um material eficaz que pode ser reproduzido para posterioridade.
Para a gerente do Programa Saúde na Floresta da FAS, Mickela Souza, a campanha atingiu positivamente todos os seus principais objetivos e contribuiu para impedir que o ato de tomar vacina, seja contra a COVID-19 ou qualquer outra doença, fosse descredibilizado.
“Com essas ações, conseguimos melhorar o conhecimento da população sobre os aspectos que tangem a saúde de cada um, além de torná-los cada vez mais informados e precavidos acerca da disseminação de notícias falsas que podem atrapalhar o recebimento da vacina”, afirma.
Confiram alguns dos principais materiais produzidos em vídeo no link.
Encurtando distâncias e fortalecendo a educação
Ainda segundo a gerente, o projeto, além do fortalecimento das campanhas de vacinação, que reduziram as chances da população em desenvolverem a forma grave da COVID-19 e contribuíram para manter a erradicação de doenças já existentes, também deixou como legado o reforço na qualificação profissional dos profissionais de saúde dos municípios beneficiados.
“Os cursos implementados pelo projeto, tanto à distância quanto presenciais, promoveram uma melhoria na qualificação dos agentes comunitários de saúde, técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos, habilitando ainda mais esses profissionais na atualização e na busca por novos conhecimentos sobre boas práticas de atendimento às populações em que eles atuam”, completa Mickela.
Durante quatro meses, foram realizados dois cursos presenciais com profissionais de saúde sobre dois temas principais: “Qualificação para equipe multidisciplinar sobre inovações tecnológicas nas ações de combate à COVID-19″ e “Qualificação em Ferramentas Didáticas para ações de educação popular para ações do ACS no combate à COVID-19″.
Selma Dias foi uma das 195 profissionais capacitadas pelos cursos e, mesmo enfrentando três horas de deslocamento da sua comunidade, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, até o local do curso, ela não poupou esforços para continuar atualizada em sua profissão. “Conhecimento para mim está acima de tudo. Eu, sempre que for possível, vou buscar para poder levar à minha comunidade”, declara.
Para o agente de combate a endemias Francisco de Souza, as dinâmicas e metodologias implementadas pelo curso intensificaram ainda mais os aprendizados e vão trazer muitas oportunidades e melhorias para o atendimento na sua comunidade.
“Com os cursos, nós vamos saber lidar com a população e com o nosso trabalho de forma mais qualificada e com mais firmeza e clareza. Nós que moramos no interior precisamos muito desse tipo de iniciativa. Quando acontece um curso desses, a gente só consegue agradecer. São muitos benefícios envolvidos”, relata Francisco.
Foto: Rodolfo Pongelupe/FAS
Mesmo com todas as dificuldades de acesso à internet em comunidades do interior da Amazônia, os cursos de educação à distância também se provaram um sucesso e atingiram resultados para além do esperado. As aulas tiveram o objetivo de capacitar os profissionais de saúde em práticas de imunização e tecnologias de combate a pandemias respiratórias, alcançando um total de 259 pessoas e abrangendo até municípios e estado fora da atuação do projeto, a exemplo de Manaus, Urucará e Boca do Acre, no Amazonas, e Almerim, no estado do Pará.
A metodologia desenvolvida possibilitou aos alunos e aos facilitadores dos cursos a estreitar relações de saberes e conhecimento, compreender os aspectos sociais da sua comunidade/município e, juntos, trabalharem para criar estratégias de ações para garantia à saúde.
Ritherly dos Santos, técnica de enfermagem atuante na comunidade Maravilha, localizada no município de Manicoré, foi uma das pessoas contempladas com os cursos e reconheceu positivamente os esforços empreendidos pela equipe do projeto para uma melhor realização das atividades.
“A plataforma para acesso aos materiais foi de fácil navegação e os conteúdos são muito bem explicados. Consegui baixar as apostilas pela internet, o que facilitou bastante porque eu consigo ler onde eu quiser e me trouxe mais flexibilidade. Algo que eu também gostei foi ter os professores disponíveis para tirar as nossas dúvidas e quando a gente não tinha disponibilidade em participar das aulas, nós conseguíamos conversar com eles, o que também me ajudou muito”, afirma.
Ao longo da execução de suas atividades, o projeto “Resposta à COVID-19 na Amazônia Brasileira fase 2”, em todas as suas frentes de atuação, conseguiu alcançar o objetivo principal de atuar no fortalecimento ao atendimento de saúde primária nas comunidades em que as iniciativas foram desenvolvidas, com inúmeros resultados positivos e marcantes que comprovam o seu potencial de reaplicação em outros territórios.
As ações reforçam a dedicação da FAS na implementação do SUS na Floresta e no apoio às instâncias governamentais na promoção da atenção básica à saúde. Mesmo após a sua finalização, o projeto ainda serve de referência para outras aplicações, como o curso que está sendo promovido em parceria com o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam) sobre o tratamento das sequelas pós-COVID, inspirado no material fornecido pelo NPI Expand Brasil durante a realização das atividades.