Especialistas em REDD participam de workshop no Amazonas - FAS - Fundação Amazônia Sustentável
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Especialistas em REDD participam de workshop no Amazonas

Especialistas em REDD participam de workshop no Amazonas
fevereiro 16, 2009 FAS

Especialistas em REDD participam de workshop no Amazonas

16/02/2009

 Por Marina Guedes 

Especialistas em REDD (Redução de Gases de Efeito Estufa Provenientes de Desmatamento Evitado) de dez países latino-americanos e dos Estados Unidos participaram de workshop a bordo do barco Hélio Gabriel pelos rios Amazonas, Negro e Uatumã durante quatro dias. Eles visitaram a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, situada entre os municípios de Itapiranga e São Sebastião do Uatumã. Naquele local, os visitantes conheceram a realidade dos moradores beneficiados pelo Programa Bolsa Floresta e, ainda, projetos em fase de construção, como a escola e a sede da associação dos moradores.
 

Virgilio Viana, diretor geral da FAS, em apresentação sobre o projeto de RED no Juma
 
Criado na gestão da ex-ministra do Meio Ambiente e atual senadora, Marina Silva, o Fundo Amazônia norteou a fala da diretora do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Thaís Linhares Juvenal, primeira a se apresentar no workshop. Sendo parte das políticas nacionais de mitigação das mudanças climáticas o fundo conta, atualmente, com a adesão do Governo da Noruega e tem a aliança com a Alemanha em processo de consolidação. “Lidarmos com populações tradicionais e áreas territorialmente extensas que dizem respeito a iniciativas complexas. O Fundo Amazônia tem demonstrado que as negociações de proteção ao desmatamento podem ser feitas no mercado aberto”, afirmou a diretora, lembrando que “para reduzir o desmatamento é preciso alterar a dinâmica econômica e social da região”.
 

Thaís Linhares, diretora do Serviço Florestal Brasileiro, tratou da questão do Fundo Amazônia
 
Hoje, os desafios do Fundo Amazônia envolvem quatro aspectos, continuou Linhares. “Encontrar grandes projetos com que se possa trabalhar, construir uma estrutura operacional eficiente, envolver as populações tradicionais e indígenas e, por fim, coordenar os projetos apoiados pelo Fundo a nível nacional e local”. Ainda conforme a representante do Ministério do Meio Ambiente, “produzir resultados viáveis e quantificáveis a curto prazo são outros desafios, bem como provar que o fundo para redução de desmatamento não precisa estar atrelado à linha de base e de cálculos complexos”.
 

Eduardo Bandeira, chefe do departamento de meio ambiente do BNDES, durante o evento
 
Complementando a fala de Thaís Linhares, Eduardo Bandeira, chefe do departamento de meio ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pontuou outros aspectos concernentes ao Fundo Amazônia, como o fato de que o programa não financia qualquer iniciativa de desenvolvimento que implique em desmatamento. “O Fundo se destina à captação de recursos que possam apoiar projetos que contribuam para o combate ao desmatamento na Amazônia. Não gera expectativa de crédito, a doação é voluntária”, esclareceu. Quanto às aplicações dos recursos provenientes do Fundo, Eduardo Bandeira disse que envolvem as atividades produtivas sustentáveis, conservação e proteção das unidades de conservação, desenvolvimento científico e tecnológico e, ainda, a modernização e desenvolvimento institucional.
 
Questionada por João Tezza, diretor técnico cientifico da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) sobre como o Fundo deve atuar nos esforços financeiros das unidades de conservação, Thais Linhares revelou que a meta do Fundo Amazônia não é concorrer com outros já existentes e que o conceito de crédito de carbono é usado no sentido de nortear a captação de recursos. “O Fundo emite um certificado pelas emissões evitadas. Não estamos atrelando o Fundo ao conceito de crédito de mercado”, justificou Linhares.
 
Novas áreas protegidas
 
O aumento de 7,4 milhões de hectares de áreas protegidas para quase 17 milhões de hectares abriu a palestra de Rodrigo Freire, coordenador de florestas e serviços ambientais do Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima), entidade criada em abril de 2008. Segundo Freire, uma das novidades é que a produção de um inventário estadual de emissões de gases de efeito estufa deve acontecer ainda este ano, com posterior divulgação para consulta pública. “Implantar o Fórum Amazonense das Mudanças Climáticas também é nosso objetivo para 2009”. Outra prioridade do Ceclima, conforme revelou Rodrigo, é estruturar um núcleo estadual de adaptação às mudanças climáticas para evitar possíveis catástrofes.
 

Ainda este ano, segundo o Ceclima, ocorrerá o Fórum Estadual das Mudanças Climáticas
 
No âmbito dos chamados serviços ambientais, Freire destacou algumas ações previstas pelo Ceclima. “Implantação de projetos de REDD, eixo temático de florestas e serviços ambientais e Lei Estadual de Serviços Ambientais”, salientou. Em março, o Ceclima deve começar as articulações para a realização do Fórum cuja idéia nasceu de demanda da Conferência Latino-Americana das Mudanças Climáticas que foi realizada no final do ano passado, em Manaus. “Outra ação que planejamos é o lançamento de uma cartilha sobre o papel da floresta para a regulação do clima e à sociedade amazonense”, afirmou Rodrigo.
 
Com o feedback de ter criado 23 novas unidades de conservação estaduais, o Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc) espera atingir a casa de 20 milhões de hectares de áreas protegidas até o ano de 2010. Foi o que revelou Guillermo Moises em sua palestra durante o workshop de REDD. Em um dos gráficos, o especialista disse que experiência prática em unidades de conservação já estabelecidas permitiu quantificar o custo por hectare para a criação, ao ano, de uma unidade de conservação, cerca de R$ 8, ou U$ 3,5. “As principais fontes para a criação de novas unidades de conservação são o governo, setor privado, instituições não-governamentais e fundos que atuam no combate às mudanças climáticas”, afirmou Guillermo.
 

Até 2010, 20 milhões de hectares em áreas protegidas devem ser criadas, segundo o Ceuc
 
Serviços ambientais
 
Em sua apresentação, João Tezza pontuou o Programa Bolsa Floresta, uma iniciativa cujo objetivo principal é recompensar os moradores das áreas protegidas pela conservação do local em que vivem. Tezza discorreu sobre as quatro modalidades do Programa Bolsa Floresta, Familiar, Social, Renda e Associação. “Até agora, contabilizamos 5.024 famílias que assumiram o compromisso de não desmatarem a floresta. Em 2008, realizamos 43 oficinas de implantação do Programa Bolsa Floresta, com uma média de 160 pessoas por reunião. É um momento muito importante, de troca e interação entre os comunitários”.
 

Diretor técnico-científico da FAS, João Tezza abordou as modalidades do Programa Bolsa Floresta
 
Como se dão as aplicações da modalidade Associação foi uma das perguntas ao diretor técnico-científico. “É um plano de contas simples, onde a prestação de contas é fixada em banner pelas comunidades, que podem acompanhar como o investimento está sendo aplicado. Normalmente, gira em torno de R$ 1 mil por mês. Pensamos em um valor que atenda à demanda da associação de moradores da RDS e que não seja tão alto para não comprometer o andamento da associação”, justificou.  
 
Hoje, segundo João Tezza, a Fundação Amazonas Sustentável atua em 13, das 34 Unidades de Conservação Estaduais. O critério para a escolha de onde o Programa Bolsa Floresta será aplicado leva em conta a categoria da unidade de conservação. “O critério é compartilhado com o Ceuc. Em geral, temos dado prioridade às Reservas de Desenvolvimento Sustentáveis (RDS). A questão do pagamento por serviços florestais (que corresponde ao papel prestado pelas florestas como armazenamento de carbono, regulação das chuvas, conservação da biodiversidade e equilíbrio climático, dentre outros), também foi indagada ao diretor técnico da FAS. “Anualmente, as florestas seqüestram 600 toneladas de carbono. “Isso poderia ser quantificado e aplicado diretamente aos que vivem nas florestas”, concluiu.
 

Especialistas chegando para uma das reuniões no barco Hélio Gabriel, no rio Amazonas
 
 
Metodologia projeto RED na RDS do Juma
 
A última apresentação antes dos participantes visitarem a comunidade de São Francisco do Caribi, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, teve como tópico a metodologia aplicada ao projeto de RED na RDS do Juma. Apresentada pelo coordenador do Programa de Mudanças Climáticas do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas), Mariano Cenamo, tal metodologia foi validada pela empresa alemã Tuv Sud, que concedeu pontuação máxima na categoria ouro.
 

A definição dos limites do projeto Juma foi um conhecimento comentado entre os participantes
 
Regulamentado pela Lei Estadual de Mudanças Climáticas e ainda pela Lei Estadual de Áreas Protegidas, o projeto RED no Juma (no município de Novo Aripuanã, cerca de 300 quilômetros de Manaus), tem como player principal a rede hoteleira norte-americana Marriott International. “O fato de Novo Aripuanã ser o quarto em desmatamento no Estado contribuiu para a validação do projeto”, destacou Mariano, lembrando o marco que o projeto significou à empresa de auditoria alemã. “O projeto é citado pela Tuv Sud como uma grande conquista”.
 

Conversa nas proximidades da escola ainda em fase de construção, na RDS do Uatumã
 
Na visão do boliviano Rudy Guzman, que apresentou, no segundo dia de atividades, o projeto FAN, Friend of Nature Foundation (Fundação Amigos da Natureza) ter os limites exatos do projeto RED para a validação do mesmo foi um dos aprendizados de destaque durante do workshop. “Isso ficou muito claro com o projeto de RED no Juma. Na Bolívia temos muitas particularidades semelhantes com o Brasil. É por isso que um evento como este se torna muito importante. Estamos um pouco atrás do Brasil no sentido de implantar um RED. Na realidade, o Brasil tem se tornado referência nesta questão”, reforçou.
 

Rudy Guzman, da Bolívia, e Thaís Linhares, do Brasil, em conversa durante intervalo
 
Papua Nova Guiné
 
 “O projeto no Juma tem sido um importante exemplo para definirmos como agir em Papua Nova Guiné”, destacou a norte-americana Marissa Meizlish, coordenadora da ONG New Forests Advisory. “Atuamos em Papua Nova Guiné, na Indonésia. A certificação do RED deve ocorrer ainda este ano. Recursos naturais como o óleo da palmeira são extraídos daquele local. Daí e importância em criarmos mecanismos de controle ao desmatamento. 90% da produção mundial do óleo vem de Papua, para produtos finais como shampoo, biscoitos e comida em geral”, disse a coordenadora.
 

Marissa Meizlish, coordenadora da ONG New Forests Advisory, que atua na Indonésia
 
Analisando o RED que deve ser implantado na província da Indonésia e o que foi consolidado no Juma, no Brasil, Marissa pontua o aspecto voluntário. “Estamos desenvolvendo a metodologia, que será pensada com base no voluntarismo. Os investidores não terão lucro com os créditos de carbono em razão do aspecto voluntário”. De acordo com a norte-americana, consultas públicas junto às populações que habitam a área foram feitas pensando em estabelecer uma metodologia. “Em certo momento, achavam que nós iríamos tirar o carbono das florestas. Foi preciso conversar muito e dar várias explicações deixando claro que o RED na verdade garantirá que a floresta seja protegida”, recordou Marissa.
 

Município de Itapiranga, próximo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã
 
Díalogo entre as partes, peça-chave no âmbito do RED
 
Também presente no workhsop, o equatoriano da etnia Shuar que responde pela diretoria executiva da Coica (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica) e membro da Aliança Amazônica, Juana Carlos Jintiach, ressaltou a relevância do diálogo para o bom funcionamento de um mecanismo de redução de desmatamento. “Estamos trabalhando na criação de um modelo de REDD que atenda à realidade dos povos indígenas. Mas é primordial que antes de tudo eles entrem nas discussões e entendam o que está ocorrendo. É fundamental um processo de consulta com cada etnia, que tem uma particularidade distinta. Isso permitirá evitarmos conflitos sociais, tendo em vista a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas criado pela ONU (Organização das Nações Unidas)”, salientou Jintiach.
 

Juan Carlos Jintiach, equatoriano da etnia Shuar que ocupa a diretoria executiva da Coica
 
No Brasil desde a realização do Fórum Social Mundial, em Belém, Juan Carlos aproveitou para conhecer de perto a RDS do Juma, mais especificamente a comunidade Boa Frente, onde está sendo implantado o Núcleo de Ensino Samuel Benchimol. “Fui a campo, com lideranças da Coiab, para ver o exemplo do projeto Juma que também está sendo discutido neste workhop. Tinha informações de que o projeto atuava em algumas comunidades indígenas. Após a visita, entendi que não abrange as populações indígenas. A educação está clara naquela reserva. Por isso a ida foi muito importante, no sentido de esclarecer alguns detalhes e servir como referência ao que pretendemos implantar nos povos indígenas que fazem parte da Coica”, lembrou Jintach.
 
REDD na Bacia do Xingu, uma iniciativa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
 
A abordagem sobre o projeto de REDD em fase de desenvolvimento na Bacia do Xingu foi mostrada pelo coordenador de políticas públicas do Programa de Mudanças Climáticas do Ipam, André Lima. A meta desta iniciativa, conforme esclareceu Lima, é encontrar alternativas para enfrentar o avanço do desmatamento por meio dos povos indígenas. “Estamos iniciando um processo de diálogo para um entendimento entre os atores interessados na terra, para encontramos caminhos possíveis no combate às mudanças climáticas”. A Bacia do Xingu, que abrange uma área de 51 milhões de hectares (cobrindo os Estados do Mato Grosso e Pará), possui diversas razões para que seja implementado um projeto RED, informou André Lima. Uma delas diz respeito à importância do principal rio que corta a região, o Xingu. “50% da área foram transformados em terras protegidas, além disso, há uma grande diversidade ambiental, social e cultural”, afirmou o coordenador do Ipam.
 

Um projeto de REDD na Bacia do Xingu está em fase de desenvolvimento, segundo o Ipam
 
Além de 24 etnias, Lima lembrou que um projeto de REDD na Bacia do Xingu contemplaria ribeirinhos tradicionais e milhares de agricultores incentivados pelo Governo Federal à colonização daquela região. “O desafio na Bacia do Xingu é duplo: pararmos o desmatamento dentro da reserva e, ainda, frear o desmatamento nas terras não protegidas”. O desmatamento anual no Xingu representa entre 5 a 13% do total que ocorre na Amazônia brasileira, disse André Lima. A criação de uma espécie de selo chamado de Carbono Socioambiental do Xingu é o que se pretende com um REDD, disse Lima. “Os objetivos envolvem aumentar a sinergia entre as distintas etnias dos diferentes atores envolvidos na Bacia do Xingu, desenvolver um modelo de repartição justa de benefícios e criar uma ação de responsabilidade compartilhada, além de reconhecer e compensar os esforços dos povos tradicionais”.
 
Na prática, o projeto teria três linhas de ações: uma especificamente aos povos indígenas, um fundo de governança florestal e, por fim, um fundo destinado às florestas privadas. Este último, segundo o palestrante, “para enfrentar o desafio de combater o desmatamento nas áreas de entorno ao Parque Nacional do Xingu”. Atualmente, as principais ameaças à região estão associadas às práticas da pecuária, cultivo da soja e extrativismo madeireiro. Questionado pelo diretor executivo do Idesam, Mariano Cenamo, sobre como se dará a definição das áreas limites de tal projeto, Lima esclareceu que o primeiro passo é trabalhar diretamente com as populações envolvidas. “Temos 1 milhão de hectares cadastrados. O que está sendo feito é um cadastro socioambiental e com base nisso definiremos um local. O cadastro está sendo feito através de um processo de georeferenciamento, uma série de compromissos estabelecidos e a partir daí, ampliarmos a área de abrangência do projeto”.
 
Conversas e acertos no último dia de workshop   
 
O diretor geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana, juntou-se aos profissionais do workshop na sexta-feira, 13 de fevereiro, quando o projeto de RED na RDS do Juma foi pontuado pelo biólogo da mesma instituição, Gabriel Ribenboim. “Criamos associações que representam os comunitários. Isso é fundamental para o sucesso do projeto”, declarou Gabriel, no que se refere aos aprendizados desde a criação do projeto. “Estamos aprendendo enquanto implementamos. Mas ficou claro que o papel das instituições envolvidas devem ser muito bem definidos”, frisou.
 

Gabriel Ribenboim, responsável pelos projetos especiais da FAS, aprofundou o RED no Juma
 
No âmbito do RED, a questão da governança também foi observada por Virgilio Viana. “É muito importante compartilhar tudo o que está sendo desenvolvido entre as partes. Uma política de portas abertas. Em nosso caso, no Juma, é outra realidade, porque as distâncias são grandes. Mas estamos conseguindo contornar isso, focados na constante troca de informação”. O diretor geral da FAS, ressaltou, ainda, o papel dos seres humanos enquanto atores principais. “As pessoas que vivem nas florestas não são objetos, mas sujeitos e por isso a importância das ações com as pessoas na formação das associações”.
 
Quanto ao aspecto humano do projeto RED no Juma, Virgilio Viana deixou claro que é preciso atentar para terminologias específicas. “O conceito de linha de base não deve ser usado para as questões sociais, pois diz respeito à linha de carbono. No que se refere às linhas diretivas sociais, é importante fortificar as estruturas associativas”, observou Viana. Terminado o workshop, ficou estabelecida a criação de um Fórum Latino-Americano de REDD, sendo que a primeira ação será na capital amazonense, com o 1º Simpósio Latino-Americano de REDD, nos dias 15 a 17 de setembro.
 


Paisagens vistas ao longo do rio Amazonas, durante a semana de realização do workshop