REPORTAGENS
21/03/2023
Cursos à distância do projeto “Resposta à COVID-19 na Amazônia Brasileira fase 2” derrubam barreiras de ensino em comunidades remotas da região
Por Pedro Vinícius
Costumeiramente ouvimos que é só por meio da educação que um país consegue alcançar o seu potencial máximo de desenvolvimento, e isso não é por acaso. O ensino transforma realidades e nos possibilita encontrar as ferramentas necessárias para a solução de problemas que podem nos impactar a qualquer momento.
Quando a pandemia surgiu, não foi diferente. Na tentativa de conter as tragédias causadas pela COVID-19, cientistas do mundo todo não mediram esforços para o desenvolvimento de imunizantes que freassem o contágio do vírus, o que de fato aconteceu e em tempo recorde. A doença que assombra a população mundial há alguns anos comprovou que o conhecimento foi a única saída capaz de nos retirar de uma realidade nada agradável.
O Brasil, que já possuía um largo histórico de dificuldades no acesso à educação por partes da população, viu na pandemia o cenário se agravar ainda mais. Segundo o Sistema Nacional de Avaliação de Educação Básica (Seab), a educação no país, entre 2020 e 2022, regrediu aos patamares que eram alcançados ainda em 2015.
Quando voltamos os olhares para os estados da Amazônia Legal, um levantamento realizado pelo projeto Amazônia 2030 destaca que o número de pessoas estudando na região, da educação infantil ao ensino superior, é proporcionalmente menor do que o verificado no restante do país. Em relação a educação profissionalizante, por exemplo, os dados também remontam à uma situação de defasagem, nos estados da Amazônia Legal 2,4% das pessoas entre 15 e 29 anos não estão matriculados em cursos destinados para qualificação ao mercado de trabalho, número abaixo da média nacional de 4,7%.
Para entender os obstáculos que contribuem para esses indicadores alarmantes, é preciso observar que a problemática é reflexo de fatores como a ausência histórica do Estado, as altas taxas de analfabetismo e reprovação, a baixa qualidade média na educação básica, a desilusão dos jovens com mercado de trabalho, entre outros.
Agravando ainda mais essas circunstâncias e dificultando o potencial de desenvolvimento da região, as distâncias e a dificuldade de acesso logístico a muitas comunidades da Amazônia tornam ainda mais complexo o acesso à educação de qualidade e desincentivam grande parte das pessoas a continuarem os estudos.
Diminuindo as distâncias para o conhecimento
Foi pensando nas diversas particularidades e desafios educacionais na Amazônia que a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a Iniciativa de Novos Parceiros, Ampliando Parcerias em Saúde (NPI EXPAND) e SITAWI (Finanças do Bem), promoveu cursos sobre vacinação para profissionais de saúde do interior dos estados do Amazonas e Pará na modalidade EAD (educação a distância), com o intuito de facilitar, de alguma forma, as dificuldades de ensino em áreas mais remotas da região.
Foram contemplados oito municípios, sete do Amazonas (Eirunepé, Itapiranga, Manicoré, Manaus, Urucará, Boca do Acre, Barcelos) e um do Pará, no município de Almerim. No total, cinco cursos foram ministrados, sendo eles todos voltados para o universo da vacinação: Vacinas e Vacinação: conceitos, importância e histórico; Cobertura vacinal: panorama, desafios e estratégias; Vacinação: responsabilidade, acolhimento e cuidado; Vacinação segura: preparando e administrando vacinas; Vacinação segura: papel da equipe multidisciplinar de saúde na imunização para o combate a COVID-19.
A gerente do Programa Saúde na Floresta da FAS, Mickela Souza, explica que os cursos realizados de forma assíncrona tentam proporcionar mais flexibilidade e garantir mais chances de acesso aos conteúdos educativos pelos profissionais de saúde.
“Os cursos contribuem muito na redução das distâncias, principalmente em virtude dos custos logísticos. Para os profissionais de saúde, trazem muita comodidade ao possibilitarem o acesso aos conteúdos de acordo com o tempo livre de cada um, ajustando com as escalas de trabalho. Os cursos, além da COVID-19, também chamam a atenção para importância da vacinação para todas as doenças que possam ser prevenidas por meio de imunizantes”, destaca Mickela.
“Os cursos contribuem muito na redução das distâncias, principalmente em virtude dos custos logísticos. Para os profissionais de saúde, trazem muita comodidade ao possibilitarem o acesso aos conteúdos de acordo com o tempo livre de cada um, ajustando com as escalas de trabalho”.
Foto: Lucas Bonny
O empenho para que os cursos fossem aplicados de forma bem sucedida e que, de fato, alcançassem seus públicos-alvo pode ser enxergado com sucesso a partir dos relatos de alguns participantes, como a técnica de enfermagem Ritherly dos Santos, atuante na comunidade Maravilha, localizada no município de Manicoré.
“A plataforma para acesso aos materiais é de fácil navegação e os conteúdos são muito bem explicados. Consegui baixar as apostilas pela internet, o que facilitou bastante porque eu consigo ler onde eu quiser e me trouxe mais flexibilidade. Algo que eu também gostei muito foi ter os professores disponíveis para tirar as nossas dúvidas e quando a gente não tinha disponibilidade em participar das aulas, nós conseguíamos conversar com eles, o que também me ajudou muito”, afirma.
A grande participação de técnicos de enfermagem foi algo que surpreendeu positivamente durante a realização dos cursos, conforme observa Mickela.
“Isso é magnífico porque os técnicos de enfermagem acompanham, muitas vezes, todos os processos que envolvem a aplicação das vacinas, o que também colabora para uma ótima implementação das campanhas de vacinação lá na ponta, ou seja, nas comunidades ribeirinhas e nas próprias sedes municipais”.
As cinco qualificações alcançaram um total de 256 participantes entre os meses de agosto e outubro de 2022. As atividades fazem parte do projeto “Resposta à COVID-19 na Região Amazônica Brasileira”, iniciativa que envolve a FAS, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a Iniciativa de Novos Parceiros, Ampliando Parcerias em Saúde (NPI EXPAND) e SITAWI (Finanças do Bem) em parcerias estratégicas que visam alavancar soluções inovadoras e escaláveis para reforçar a resposta rápida à COVID-19.
As cinco qualificações alcançaram um total de 256 participantes entre os meses de agosto e outubro de 2022.
Foto: William Borges da Silva
Desafios ainda à vista
Uma das principais motivações que explicam a importância da realização dos cursos foi a queda na cobertura vacinal contra a COVID-19 nos últimos meses e também, de forma geral, para outras doenças, que já vem regredindo nacionalmente há alguns anos.
“Trabalhar com os profissionais de saúde nos ajuda a fortalecer as ações voltadas para o resgate da prevenção e imunização em massa para que a gente não tenha doenças já erradicadas voltando a preocupar as famílias e a nação como um todo”, aponta Mickela.
Os cursos ajudaram a qualificar ainda mais os agentes comunitários de saúde na desmitificação de temas relacionados às vacinas, além de contribuir no compartilhamento de informações verídicas e de qualidade em todas as suas comunidades. Assim como explica a agente comunitária Maria do Carmo, moradora da comunidade São José da Enseada, no município de Itapiranga.
“Hoje eu consigo explicar melhor a importância da vacina para as famílias que eu acompanho na minha comunidade. Com apenas a carteira de vacinação, eu aprendi a orientar melhor os pais a vacinarem os filhos, esses cursos são ótimos para desenvolver o nosso trabalho. Espero que venham outros para que a gente sempre esteja atualizado e busque cada vez mais conhecimento”.
Porém, por mais que a educação à distância simplifique muitas dificuldades, ela ainda passa por alguns empecilhos, como a necessidade de uma boa conexão de internet, que nem sempre é possível em muitas das localidades mais afastadas dos centros urbanos. Ainda assim, os participantes dos cursos não deixaram que isso abalasse as jornadas de aprendizagem e encontraram alternativas para superar mais esse obstáculo. É o que comprova a enfermeira Patrícia de Souza Falcão:
“Eu observei que muitos técnicos da minha equipe não conseguiram terminar os cursos em sua totalidade devido às dificuldades de conexão com a internet, que nem sempre ajuda. O que eu vou fazer agora é organizar todos os conhecimentos sobre vacina que eu adquiri e realizar educação continuada com aqueles técnicos que não conseguiram completar as aulas. Os cursos foram excelentes, assim como os professores que tiraram todas as dúvidas. Espero que mais iniciativas como essa cheguem até nós”.
Desse modo, de pouco em pouco, é possível destravar e derrubar as barreiras que possam impedir o acesso à educação em comunidades da Amazônia. A experiência do projeto demonstra que o esforço coletivo e a busca por novas maneiras de educar, adaptando às peculiaridades de cada realidade, geram transformação e impacto positivo na vida, e principalmente na saúde da população amazônica.