COP26: o mundo está acordando, ainda que tardiamente - Blog Virgilio Viana

COP26: o mundo está acordando, ainda que tardiamente

COP26: o mundo está acordando, ainda que tardiamente
12 de novembro de 2021 Vírgilio Viana
Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP26), realizada em Glasgow.

A COP26 pode ser um marco importante para a história das negociações climáticas. Precisamos mudar radicalmente os sistemas de produção e os padrões de consumo em todos os segmentos da economia e das sociedades em todo o mundo. Isso é um desafio enorme e ainda estamos no começo dessa jornada

Para analisar as perspectivas de uma COP, é necessário entender que não se trata de apenas um evento. Frequento as COPs desde 2005 (Montreal), e só depois de alguns anos é que descobri que se tratam, na verdade, de dois grupos de eventos. O primeiro grupo inclui as negociações diplomáticas, que tratam da produção de textos que são os resultados formais das Conferencias das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas —nome oficial das COPs. O segundo grupo de eventos é o que há muitos anos eu defini como a “Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas”— nome inventado apenas para denominar as centenas de eventos técnicos, políticos, articulações e demonstrações de ativistas.

De uma maneira resumida, podemos dizer que as negociações diplomáticas, conduzidas por ministros, secretários e demais representantes dos países, são difíceis, burocráticas e lentas. Afinal, não é fácil acordar um texto que envolve as perspectivas de países muito desiguais em diversos sentidos e que, em alguns casos, são inimigos entre si. É um enorme desafio construir um único texto, traduzindo diferentes línguas para o inglês, que é a língua oficial. Diante disso, não é possível esperar enormes saltos qualitativos: são avanços graduais e lentos. Esperar algo muito além disso é comprar um bilhete para a frustração.

Por outro lado, a “Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas” é extremamente dinâmica, plural e diversa. Manifestações de rua, especialmente dos jovens e indígenas, criam uma excitação nos participantes e um clima de cobranças e pressão sobre todos, sobretudo para diplomatas, governos e empresas. As salas de reuniões, espalhadas pelos hotéis e espaços diversos da cidade e pela área oficial de eventos da COP, oferecem palco para empresas, governos, organizações da sociedade civil, entre outros, mostrarem seus avanços e planos para o futuro. Os encontros nos corredores e cafés cria oportunidades para novas conexões. O clima é de ação, otimismo e espirito construtivo.

Esses dois grupos de eventos possuem vasos comunicantes entre si nos cafezinhos e eventos sociais, onde os participantes de organizações não governamentais buscam dialogar com os diplomatas para obter informações sobre o andamento das negociações e tentar influenciar os seus resultados.

Diante desse contexto e analisando os resultados parciais até o momento, podemos dizer que a COP26 representará um marco importante para a história das negociações climáticas. A pressão dos jovens e lideranças de povos indígenas está aumentando, as lideranças empresarias se mostram mais engajadas e as organizações da sociedade civil se mostram mais criativas e empoderadas. Tudo indica que a grande maioria das lideranças políticas está ouvindo a mensagem de preocupação dos seus cidadãos. É fato que o mundo está acordando para a urgência das mudanças climáticas, ainda que tardiamente.

Desde a COP de Copenhague, em 2009, foi definido que o alcance das metas climáticas seria o fruto de compromissos individuais de cada país. Essa foi a essência do que foi estabelecido no famoso Acordo de Paris, em 2015. Cada país submeteu a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, em inglês). O problema é que a soma dessas contribuições nos leva a uma trajetória de mudanças mais próxima dos 3 °C do que dos 1,5 °C que representam a meta proposta pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). Portanto, é necessário que os governos ampliem as suas metas. Para isso, é essencial dar mais visibilidade à urgência climática para que as populações de todos os países votem em políticos comprometidos com essa agenda. Isso é o ponto essencial para alcançarmos as metas que a ciência nos aponta.

Existem muitas razões para mantermos acesa a chama da esperança, como nos conclama o Papa Francisco. Primeiro, temos o engajamento crescente de estados e municípios na agenda do clima. Isso já está fazendo uma enorme diferença. Segundo, temos o fato de que a grande filantropia está cada vez mais engajada com a agenda climática. Muitos doadores privados fizeram compromissos públicos de financiamentos expressivos, como foi o caso de Jeff Bezos. Terceiro, temos o engajamento do setor privado. Muitas empresas manifestaram metas ambiciosas para atingir a neutralidade das suas emissões. Por fim, temos o papel da sociedade civil, que tem se mostrado o grande vetor de inovação e criatividade. Esse papel pode ajudar a romper a lentidão das burocracias dos mecanismos internacionais de financiamento e dos governos nacionais e subnacionais.

Além de mantermos acesa a chama da esperança a partir da COP26, em Glasgow, temos que ter consciência de que ainda falta muito para colocarmos nossas sociedades no rumo de uma economia verde e inclusiva. Não se trata de pequenas mudanças cosméticas — o que conhecemos em inglês como greenwashing. Precisamos mudar radicalmente os sistemas de produção e os padrões de consumo em todos os segmentos da economia e das sociedades em todo o mundo. Isso é um desafio enorme e ainda estamos no começo dessa jornada.

A boa noticia é que as lideranças de todos os segmentos da sociedade estão acordando para as ameaças e oportunidades criadas pela crise climática. As soluções baseadas na natureza e a valorização dos povos indígenas têm merecido particular atenção. Essa é a mensagem parcial dos resultados da COP26. Esperamos que os negociadores tenham avanços relevantes e que todas as lideranças sociais e empresariais, ambientalistas e a sociedade em geral arrastem os governos nacionais e subnacionais para ação. Afinal, o tempo de agir é agora.


Artigo publicado originalmente no El País Brasil, em 8 de novembro de 2021