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Meninas ribeirinhas da Amazônia sonham com participação na próxima Copa de Futebol Feminino

REPORTAGENS

Meninas ribeirinhas de diversas comunidades sonham em fazer parte da Seleção Brasileira de Futebol Feminino 

18/08/2023

Por João Cunha

A Copa do Mundo de Futebol Feminino 2023 chegou ao fim no último domingo (20/08) com uma decisão inédita entre Inglaterra e Espanha. Enquanto a maioria da nação ainda lamenta a saída precoce do Brasil da competição, no interior da Amazônia, meninas ribeirinhas estão com as mentes e o foco no mundial de 2027.   

Na comunidade de Porto Braga, localizada no meio do estado do Amazonas e às margens do Rio Solimões, centenas de jovens atletas concorreram ao título de melhor time de futebol feminino, em faixas de 10 a 17 anos. O torneio, sem dúvida o mais concorrido do evento, fez parte das Olimpíadas da Juventude da Floresta, evento socioeducativo promovido no início de agosto pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS). 

Nosso polo trouxe equipes para todas as modalidades das Olimpíadas: queimada, cabo de guerra, vôlei, futebol e corrida no saco. Mas eu quero participar mais do futebol, o futebol é a minha inspiração”, conta Valdeane Santos, 16 anos, moradora do Punã.

Foto: Lucas Ramos

A fala da adolescente reflete um sentimento coletivo. Sem grandes patrocinadores e longe dos holofotes, os campeonatos amadores no interior da Amazônia talvez sejam o exemplo mais eloquente da máxima que o futebol é uma paixão nacional.  

Nas franjas e recônditos do Brasil, do qual a Amazônia representa mais da metade do território, é onde a paixão futebolística pulsa mais forte, em cada campinho de várzea ou chão batido. Em lugares como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, uma das maiores reservas florestais do Brasil, onde está situada Porto Braga, sede dessa edição das Olimpíadas da Juventude da Floresta. 

Enquanto seleções femininas de futebol de todo o mundo se enfrentavam na Austrália e Nova Zelândia, do outro lado do globo, as atenções dessa pequena comunidade ribeirinha amazônica se voltaram para um só lugar: o gramado local, onde as medalhas foram disputadas com a garra e emoção de uma final olímpica.  

Eu sou acostumada a ser atacante, eu sempre jogo campeonatos. Mas fazer um gol nas Olimpíadas tem um sentimento diferente, uma emoção”, diz a jovem Liliane Dias, 16 anos, que representou a comunidade Coadi e o polo (grupo de comunidades da mesma região) “Gaviões da Floresta”.  

Eu estou muito feliz porque eu fiz um gol. Foi bom, eu sou do polo Ribeirinho e essa foi uma oportunidade pra jogar no time. Eu jogo na comunidade, mas essa posição de atacante foi nova pra mim. Não esperava fazer o gol, me senti alegre”, revela Maria Laíne de Oliveira, 13 anos. 

Foto: Lucas Ramos

Meninas ribeirinhas driblam preconceito e sonham com próxima Copa Feminina

Se o futebol é um símbolo da nossa brasilidade, querido e apreciado por uma maioria, quando olhamos para o futebol feminino, a realidade é muito menos favorável e de luta contra preconceitos e estereótipos. 

A prática do esporte inclusive foi proibida para mulheres no país, durante um dos governos de Getúlio Vargas, e assim permaneceu por mais de 40 anos, até o fim da ditadura militar nos anos 1980. Hoje, por conta do machismo enraizado na sociedade, o futebol feminino segue largamente desvalorizado no Brasil. As ligas nacionais femininas ainda estão engatinhando, com pouco patrocínio e salários baixos para as atletas, principalmente quando comparados aos dos times masculinos 

No Amazonas, o cenário é ainda mais precário em termos de investimento e visibilidade. Com um campeonato estadual modesto e clubes cujo melhor desempenho atual são participações na Série C do Campeonato Brasileiro, o futebol amazonense oferece ainda menos espaço para atletas femininas.  

Uma exceção, no entanto, desafiou a regra e aponta um caminho de ruptura e esperança: no Campeonato Brasileiro Feminino de 2017, a equipe do Iranduba foi um fenômeno que arrebatou o país. Contrariando as expectativas, o time dos arredores de Manaus venceu adversários de maior expressão, como Corinthians e Santos, e foi semifinalista da competição aquele ano. Nos jogos em casa, o “Hulk do Amazonas”, como foi carinhosamente apelidado pela torcida, levou milhares de pessoas à Arena da Amazônia e mostrou que o esporte feminino pode ser financeiramente viável e cativar multidões. 

Meninas ribeirinhas lutam por reconhecimento e valorização, desafios no futebol feminino

Se ainda falta apoio e estrutura às mulheres no futebol, as Olimpíadas da Juventude da Floresta mostram que quando há o incentivo e investimento necessários, o talento dessas meninas ribeirinhas pode ser visto e desenvolvido.  

As Olimpíadas são parte do projeto “Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes Ribeirinhas da Amazônia” (Dicara), desenvolvido pela FAS com financiamento da Unilever e colaboração de prefeituras, secretarias e organizações comunitárias. O evento marca um dos pontos altos do projeto, que promove ações educativas, culturais e de lazer para jovens que vivem em interiores e áreas periféricas. 

A Fundação traz esse olhar de esperança, olhar de respeito e de oportunizar a eles um momento de eles desenvolverem a sua potencialidade, porque existe talento. A partir do esporte nós mostramos a essas crianças e adolescentes que elasm o direito do sonhar”, explica Enoque Ventura, supervisor de projetos no Programa de Educação para Sustentabilidade (PES) da FAS. 

Foto: Lucas Ramos

Talento de sobra foi o que se viu na final do campeonato feminino de 14 a 17 anos das Olimpíadas. A partida entre os polos “Cabloco” e “Gaviões da Floresta”, empatada em 2×2 no tempo regulamentar, foi decidida nos pênaltis. Por 6 x 5 gols, a equipe “Cabloco” levou o título para casa.  

Felicidade e motivação para Valdeane, atacante do time, que pensa e sonha com conquistas maiores. “Eu acompanhei a Copa Feminina de Futebol, me inspirei muito nas meninas. Elas representaram, só que não foi dessa vez. Meu foco é conquistar, eu quero bastante participar de uma Copa pelo Brasil”, afirma.