Curso de boas práticas ao Parto Humanizado reúne parteiras tradicionais e profissionais de saúde em Tefé, Amazonas - FAS - Fundação Amazônia Sustentável
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Curso de boas práticas ao Parto Humanizado reúne parteiras tradicionais e profissionais de saúde em Tefé, Amazonas

Curso de boas práticas ao Parto Humanizado reúne parteiras tradicionais e profissionais de saúde em Tefé, Amazonas
outubro 14, 2021 FAS

Curso de boas práticas ao Parto Humanizado reúne parteiras tradicionais e profissionais de saúde em Tefé, Amazonas

Promovido pela FAS, curso contou com o apoio do Instituto Mamirauá. Participaram 25 alunas, entre parteiras tradicionais e profissionais de enfermagem.

14/10/2021
Mulher em atividade prática no curso sobre parto humanizado, que une conhecimento de parteiras tradicionais e profissionais da saúde.

Por Carine F. S. Corrêa / Instituto Mamirauá

Durante os dias 8, 9 e 10 de outubro deste mês, 25 mulheres – entre parteiras tradicionais e profissionais de unidades de saúde – participaram do Curso de “Boas Práticas ao Parto Humanizado” promovido pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), e que contou com o apoio do Instituto Mamirauá, do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM) e da Associação das Parteiras Tradicionais do Estado do Amazonas (APTAM) Algodão Roxo. O curso foi realizado em Tefé no prédio do CETAM, e ocorreu com o financiamento da empresa JBS.

Foram três dias de troca de saberes, que contabilizaram um total de 20 horas, ministradas pela professora do CETAM e enfermeira Jucimery Silva. As prefeituras de Tefé e Uarini apoiaram o deslocamento, alimentação e estadia das parteiras e profissionais de saúde durante a realização do curso. Parteiras tradicionais das comunidades Ponta da Sova e Deus é Pai, por exemplo, navegaram por muitas horas no Rio Tefé adentro, para participarem do curso de Boas Práticas, e utilizaram como locomoção a rabeta, um tipo de embarcação muito comum no Amazonas, usada como forma de transporte nos cursos d’água.

É o caso da presidente da Associação das Parteiras Tradicionais do Estado do Amazonas Algodão Roxo, Tabita dos Santos Moraes, da comunidade Deus é Pai. Ela, que é presidente desde 2018 da Associação Algodão Roxo (planta medicinal usada na assistência a gestantes), é parteira tradicional há pelo menos 30 anos. Seu primeiro parto foi aos 15 anos e, mesmo com toda essa vasta experiência na prática, ela destaca a importância da sinergia entre o conhecimento tradicional e científico, que foi promovida durante o curso – já que havia tantas parteiras tradicionais das comunidades, como profissionais com formação técnica.

“Esse encontro, de todos o que eu já fiz, está sendo diferente. Porque estamos reduzidas no número de parteiras tradicionais, mas em compensação estamos em um número alto de técnicas de enfermagem de hospitais. Então, o que estou achando interessante é que todos os nomes científicos que estão sendo falados, a gente tem conhecimento prático: o nome científico é desconhecido, mas a prática é a mesma. Tudo está relacionado ao nosso dia a dia, só que quando parte para o nome científico, é que dá aquele nó. Mas quando você passa a observar, vê o que ela está falando e olha os slides, é a mesma coisa que a gente atua. E isso é muito interessante”, relatou Tabita, que ainda relembra com satisfação que já participou de diversos encontros de parteiras tradicionais promovidos pelo Instituto Mamirauá.

Tabita Morais atua como parteira tradicional de forma voluntária. Ela diz que um dos objetivos do curso – além do conhecimento obtido para o seu desenvolvimento pessoal e profissional – é o de transmitir o conteúdo adquirido para as demais parteiras da Associação Algodão Roxo, que abrange 61 municípios do Estado. “O objetivo da minha participação é o de aprender em como lidar em situações difíceis, e sem dúvida repassar para as parteiras que fazem parte da Associação ou não, mas que estão mais próximas de mim, que a gente entra em contato e conversa. Então isso serve muito pra nós, porque na minha comunidade tem duas parteiras, na comunidade vizinha mais uma, e a gente repassa a experiência. No dia chamado hoje, nós como parteiras devemos nos prevenir muito mais. Hoje, quando você entra pra fazer um parto, você já vai naquele cuidado: será que ela fez os exames? Será que ela fez o teste rápido de sífilis e HIV? Aí entra muita coisa. Já entramos com um certo cuidado. Então esse momento pra nós é muito útil. Tem como se prevenir, ver essas doenças, como indicar as parturientes para fazer esses exames, e é muito importante, porque cada dia é uma surpresa; um conhecimento diferente”, acrescentou. Tabita vem de uma geração de parteiras na família. “Não é praga não, é uma função que vem de geração em geração”, brincou.

A anciã do grupo de alunas é Dona Marlene Pinheiro, que tem 73 anos. Ela é da Comunidade Bacuri, que fica situada no lago Tefé – não fica tão distante da cidade. Dona Marlene é a segunda pessoa do parto, e costuma acompanhar uma parteira experiente da comunidade, Maria José. Ela relembra na pausa para a “merenda” do curso, que o contato mais forte com o parto foi através do nascimento de sua neta – o parto da filha que ela mesma realizou. De todo o conhecimento transmitido no curso, o que mais lhe chamou a atenção foi o cuidado que se deve ter com as mulheres. “O mais importante é ter o cuidado com a mulher. Graças a Deus na nossa comunidade, nunca morreu uma criança na nossa mão”, diz com orgulho. Ela define o ofício da parteira como um dom, somado a experiência.

Da anciã da sala para a mais nova do grupo, há a Ranega Rafaela Rodrigues Marques, de apenas 24 anos e que é neta da Maria José, citada por Dona Marlene. A jovem teve sua infância marcada por partos e, mesmo tão nova, já se considera uma parteira. Atualmente, cursa o segundo ano de graduação em Enfermagem, e enfatiza que seu projeto de vida consiste em unir os saberes tradicionais que adquiriu com sua avó, com o conhecimento científico que está em contato na graduação. “Eu cresci vendo minha avó fazendo partos. Ela fez o meu parto. Eu faço Enfermagem hoje em dia por conta disso. Então ela é uma inspiração pra mim”, disse. A “vovó”, a quem ela se refere carinhosamente, tem formação técnica também em Enfermagem. “Meu projeto de vida é estudar e trabalhar na comunidade, e dar continuidade ao legado da vovó. É algo que está enraizado na nossa família, não tem como quebrar”, frisa com muita convicção. Na sala de Ranega, ela é a única estudante que carrega esse contexto de parteiras tradicionais. “Acredito que uma coisa não anula outra, muito pelo contrário, ela soma”, finaliza.

Diferentemente do contexto de parteiras tradicionais das mulheres até o momento citadas, uma das alunas do Curso de Boas Práticas ao Parto Humanizado foi Jandira Maria Gualberto Rocha Alves, de 57 anos, que trabalha em um hospital de Tefé há 17 anos. Ela, que inicialmente recusou a vocação para o atendimento, contou emocionada que com o tempo foi gostando de trabalhar com as gestantes, o que culminou na sua participação em diferentes cursos, e em uma especialização na área. “Tenho muitos cursos pelo Instituto Mamirauá, e às vezes eu pego até plantão pra vir participar. Sempre quando o bebê está nascendo, procuro falar palavras boas e gentis, como seja bem-vindo a esse mundo, e que seja um ser humano que traga alegrias. É um momento lindo e emocionante”, partilhou.