Educação na Amazônia: desafios e superações de um professor ribeirinho
Joel Matias, de 33 anos, é um dos educadores do interior do AM participante das oficinas de formação para o ensino multisseriado promovidas pela FAS
15/01/2021
Na margem direita do Rio Solimões, no município de Tefé (a 523 quilômetros da capital Manaus), fica a Escola Municipal Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que atende os jovens ribeirinhos da Comunidade Feliciana. Lá, os desafios enfrentados por quem quer ensinar são diferentes. Cercados pela maior diversidade de fauna e flora do planeta, onde a agricultura familiar e a pesca são os principais meios de subsistência, os professores precisam desenvolver um trabalho atento à cultura e aos processos próprios da comunidade, além de lecionar para alunos de idades e níveis educacionais diferentes numa mesma turma.
“Quando você chega na sala de aula, tem gente do quarto ano que sabe ler e tem aluno no quinto ano que ainda não foi alfabetizado. Então, a maior dificuldade é você saber adaptar essa realidade para que todo mundo possa acompanhar”, conta o professor Joel Matias, de 33 anos.
Matias é um dos educadores da rede pública de ensino do interior do Amazonas participante das oficinas de formação de professores para o ensino multisseriado, promovidas pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), por meio de uma parceria com a Petrobras.
O treinamento, que acontece duas vezes ao ano nos municípios de Tefé, Coari, Maraã e Uarini, auxilia os docentes que trabalham com turmas multisseriadas, metodologia de ensino bastante usada em escolas rurais ou em áreas de difícil acesso, por diversos motivos: escolas não proporcionam infraestrutura física suficiente para mais salas de aula, o número de matrículas de alunos é pequeno ou ainda há escassez de professores para atender a demanda de alunos da região.
Na formação, os participantes aprendem técnicas que permitem levar uma abordagem mais lúdica para atender a diversidade das classes multisseriadas. “É maravilhoso quando você consegue fazer um bom trabalho e quando você tem apoio. Porque não adianta só o professor ser formado e ficar lá. Tem que ter esses programas para que o professor possa se qualificar, trazendo ideias novas e levando para os alunos”, afirma Matias.
Professor há seis anos, Joel Matias é natural de Alvarães, mas cresceu em Tefé. Sempre viveu na comunidade, com exceção do período em que precisou fazer o Ensino Médio e a faculdade – um caminho diferente para a maioria dos moradores do local. “A expectativa, na maioria das vezes, é casar, ser dono de uma propriedade ou trabalhar na roça. Mas quando eu comecei a estudar, chegou o projeto de educação na nossa comunidade e eu pensei em trabalhar na área. Fui para a faculdade, gostei e hoje sou professor na comunidade. Eu gosto de fazer esse trabalho e a gente tá mudando a expectativa dos alunos”, declara.
Na escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Matias leciona a disciplina de Português para aproximadamente 100 alunos, divididos em duas turmas multisseriadas: uma pela manhã, com estudantes do quarto e quinto ano, e outra no turno vespertino, com alunos do sexto ao nono ano.
O professor destaca que as oficinas realizadas pela FAS ajudaram na inserção de temas regionais em sala de aula, “conversando” com elementos e valores da cultura amazônica. “Para medidas, por exemplo, podemos usar hectare e utilizar espécies de peixes e plantas para ensinar biologia”, explica Matias, enfatizando ainda que todo esse conteúdo faz sentido na estrutura curricular, porque é o que os alunos vivem.
Além de enxergar os potenciais educacionais do território, unir a cultura ribeirinha com o preparo para o mundo de hoje é essencial, afirma o docente. “O mundo de hoje é globalizado e aquela história de escrever no quadro para o aluno copiar no caderno já está ultrapassada. Os alunos, mesmo na zona rural, querem algo que possam fazer na prática. Na proposta da FAS, fizemos um projeto de robótica com os alunos do quinto ano. Levar robótica para a zona rural, para uma escola ribeirinha, foi maravilhoso. As aulas tinham cem por cento de interesse dos alunos. A educação na zona rural, as vezes é vista como algo que não vai levar a lugar nenhum. Mas quando você consegue mostrar para o aluno que aquilo pode ajudar a alcançar novos horizontes é muito bom”, relata.
Formado em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Joel Matias enxerga seu futuro na educação e quer se tornar professor da instituição. “Meu sonho é ser professor da universidade para que eu possa ajudar a formar novos professores para atuar na zona rural e dar continuidade a esse trabalho de transformação e igualdade”, conclui.
Sobre o Projeto Amazonas Sustentável
O projeto “Amazonas Sustentável” é uma iniciativa da FAS, em parceria com a Petrobras, com o objetivo de promover a conservação ambiental, contribuir para o desenvolvimento local e melhoria das condições de vida ribeirinha. As comunidades beneficiadas diretamente estão distribuídas ao longo de cinco Unidades de Conservação do Amazonas: as Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Uacari e do Rio Negro, a Reserva Extrativista Catuá-Ipixuna e a Área de Proteção Ambiental do Rio Negro. Essas unidades são geridas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema). A FAS também possui parcerias com mantenedores como Bradesco, Lojas Americanas, Samsung, Coca-cola Brasil e Fundo Amazônia.