Em carta a gestores públicos, FAS faz recomendações para aumento da eficiência na imunização das populações tradicionais da Amazônia profunda
Na estratégia atual, a vacinação dos ribeirinhos ocorre de forma escalonada por idade, o que exige diversas viagens à mesma comunidade para vacinar grupos diferentes. O custo é alto e tem dificultado o avanço da vacinação nessas áreas.
09/04/2021
Os efeitos da pandemia da Covid-19 nas populações da Amazônia profunda motivaram a integração de uma força-tarefa que está atuando há um ano para promover a redução do contágio e minimizar os impactos do vírus nessas localidades. Articulada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), essa aliança inédita entre prefeituras, ONGs, empresas, embaixadas, instituições internacionais e de pesquisa, agora se mobiliza para apoiar a campanha de imunização na região. Em carta enviada a diferentes órgãos e esferas governamentais, a iniciativa propõe um aprimoramento urgente da atual estratégia de vacinação das populações tradicionais e povos indígenas diante dos desafios logísticos enfrentados pelas equipes de saúde.
A Aliança Covid Amazônia está acompanhando e incentivando a campanha de imunização em toda a Amazônia, de forma mais direta no interior do Amazonas, observando de perto o empenho das equipes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) em levar as vacinas para as diversas aldeias nos territórios indígenas da região, enfrentando as longas distâncias e o transporte predominantemente fluvial.
No entanto, segundo o coordenador do programa Saúde na Floresta da FAS, Luiz Castro, a desinformação propagada diretamente ou através de aplicativos de mensagem em relação às vacinas tem atingido diversas aldeias e algumas comunidades, gerando medo na população. Casos de resistência à imunização foram registrados em territórios indígenas do Baixo Amazonas, Purus, Alto Rio Negro e Vale do Javari, dentre outros
Para combater as fakes news, em articulação com as organizações indígenas locais, a FAS tem enviado para essas localidades materiais de comunicação e sensibilização, principalmente spots de rádio, que reforçam a importância da vacinação para conter o avanço do novo coronavírus. “A FAS está usando a sua comunicação para levar a mensagem de médicos, especialistas, lideranças indígenas, pessoas que já foram vacinadas, para mostrar, nesses locais, que a vacina é uma coisa boa e que os indígenas não devem perder essa oportunidade de serem vacinados”, afirma Castro.
Para o articulador indígena do Programa SUS na Floresta e uma das principais lideranças no Alto Rio Negro, André Baniwa, as campanhas de conscientização têm um papel fundamental para refutar as informações falsas que estão influenciando indígenas a recusarem a imunização. Entre essas fake news, está a teoria de que eles seriam cobaias de um imunizante sem eficácia comprovada.
“Isso está ocorrendo em todo o território da Amazônia, como mostra o relatório da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Em alguns lugares, a situação é bem crítica, em outros é menos”, afirma o articulador, destacando que, muitas vezes, a informação falsa parte de alguém em quem os indígenas confiam, tornando ainda mais fácil que ela seja tomada como verdade.
“O nosso trabalho de conscientização está começando no Alto Rio Negro. Estamos produzindo alguns materiais para reforçar o que a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) já vem fazendo com seus parceiros no combate às fake news por lá, e depois vamos estender para outras comunidades onde a FAS tem atuação”, explica André Baniwa.
Durante reunião virtual da Aliança Covid Amazônia, encontro realizado periodicamente para debater estratégias para o enfrentamento à Covid-19, integrantes de organizações e lideranças locais relataram os desafios da vacinação na Amazônia. O representante da COIAB, Luiz Penha, do povo Tukano, destacou o baixo número de indígenas vacinados na Amazônia Legal. A importância de estratégias de comunicação para incentivar a vacinação também foi abordada.
“Esse é o maior desafio para apoiar as equipes de saúde. Precisamos buscar alternativas para a gente tentar combater as fake news dentro das aldeias. Temos buscado conversar com as próprias lideranças indígenas para tentar chegar a uma solução”, afirmou Penha.
Comunidades ribeirinhas
Nas comunidades ribeirinhas, onde a imunização é coordenada pelas prefeituras, a resistência à vacina é menor, mas também existe. Porém, há outros obstáculos ainda maiores a serem superados. Diferente da população indígena, a vacinação dos ribeirinhos ocorre de forma escalonada por idade, o que exige diversas viagens à mesma comunidade para vacinar grupos diferentes. Os gastos com o transporte de barco, combustível, refrigeração da vacina e alimentação acabam encarecendo ainda mais o processo para o município.
“A maioria das comunidades quer ser vacinada, porém, o número de vacinas que as prefeituras dispõem é pequeno. Nós precisamos, portanto, ampliar o número de vacinas para essas comunidades e ajudar as prefeituras a ter as equipes necessárias e as condições de combustível, de transporte, de refrigeração para vacinar um número maior de pessoas”, destaca Luiz Castro.
Preocupada em garantir mais eficiência na imunização das comunidades ribeirinhas da Amazônia profunda, a FAS está articulando parcerias para colaborar com os municípios. “A FAS está procurando sensibilizar parceiros, dialogar com embaixadas e com governos de estado sobre a importância de obter um número maior de vacinas para que os municípios possam chegar em uma comunidade e vacinar todos aqueles que precisam ou, pelo menos, a maioria deles, como está acontecendo nas aldeias indígenas”, conclui.
Além disso, uma carta assinada pelo Comitê Orientador do projeto SUS na Floresta da FAS foi encaminhada à diferentes órgãos e esferas governamentais, propondo ao Programa Estadual de Imunização e ao Programa Nacional de Imunização a cobertura vacinal das comunidades ribeirinhas por recortes territoriais e não por faixa etária, vacinando 100% da população até então definida como público-alvo dessas comunidades, assim como vem ocorrendo em aldeias indígenas.
O documento também recomenda a inclusão de indígenas não aldeados nos grupos prioritários de vacinação, o aproveitamento da logística da vacinação para o desenvolvimento de outras ações de saúde nas aldeias e comunidades, bem como um esforço urgente em busca de aquisição e/ou doação de vacinas de dose única com especial ênfase na Amazônia profunda.
“A Amazônia profunda tem uma realidade absolutamente distinta das demais regiões do Brasil por diversos aspectos, entre eles, a logística e o isolamento, e a falta de estrutura de atendimento de saúde. É imprescindível que os planos de vacinação levem em consideração esses fatores de vulnerabilidade e a ampliação dos desafios enfrentados pelas populações amazônicas durante a pandemia da Covid-19”, enfatiza o superintendente geral da FAS, Virgilio Viana.
A carta foi enviada para o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; o governador do Amazonas, Wilson Lima; o diretor-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), Cristiano Fernandes; a coordenadora do Programa Estadual de Imunização da FVS-AM, Izabel Nascimento; o secretário estadual de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo; e o governador do Estado do Maranhão e Presidente do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, Flávio Dino.
Aliança Covid Amazônia
Sem a oferta de serviços básicos como assistência médica, infraestrutura e acesso à informação, as populações ribeirinhas e indígenas estão sendo duramente afetadas pela pandemia. Para ajudar as comunidades e aldeias no enfrentamento à Covid-19, a FAS articulou a criação da Aliança Covid Amazônia, que atualmente reúne 120 parceiros.
Essa mobilização já beneficiou mais de 350 mil pessoas em todo o estado através de ações para redução do contágio pelo vírus, saúde mental, atendimento básico de saúde, transporte de emergência de pacientes, materiais de comunicação, projetos para retomada pós-calamidade, entre outras.