Mulheres na ciência: pesquisadoras do Painel Científico para Amazônia falam sobre igualdade de gênero e os desafios da profissão - FAS - Fundação Amazônia Sustentável
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Mulheres na ciência: pesquisadoras do Painel Científico para Amazônia falam sobre igualdade de gênero e os desafios da profissão

Mulheres na ciência: pesquisadoras do Painel Científico para Amazônia falam sobre igualdade de gênero e os desafios da profissão
fevereiro 11, 2021 FAS

Mulheres na ciência: pesquisadoras do Painel Científico para Amazônia falam sobre igualdade de gênero e os desafios da profissão

Para celebrar o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN Amazônia), secretariada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), destaca a atuação de mulheres cientistas do Painel Científico para Amazônia (SPA), grupo de mais de 200 pesquisadores que está realizando um trabalho pioneiro para evitar a destruição da maior floresta tropical do mundo.

11/02/2021
Ane Alencar, geógrafa e líder do grupo de trabalho "Políticas de Conservação e Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia” do SPA.

Nesta quinta-feira (11), é celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data foi estabelecida pelas Nações Unidas (ONU) com objetivo de destacar as principais conquistas de mulheres na área, além de encorajar gerações mais novas a buscarem a carreira científica. Assim como em diversos outros campos profissionais, o caminho da ciência costuma ser mais árduo para as mulheres. Em todo o mundo, elas enfrentam até hoje desafios que vão além dos laboratórios, como a falta de reconhecimento e a sobrecarga de serviços domésticos e cuidados familiares.

Os obstáculos são ainda maiores para as cientistas que trabalham na Amazônia, região vasta, pouco conhecida, onde o clima e o ambiente são adversos, sem falar na carência de estrutura e recursos para pesquisas. No entanto, mesmo com tantas barreiras, as mulheres têm feito história na área, liderando estudos e colaborando no desenvolvimento da ciência e do conhecimento, que são essenciais para a conservação da floresta em pé.

Alguns desses exemplos podem ser observados no Painel Científico para Amazônia (SPA, na sigla em inglês), coordenado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (SDSN). A iniciativa internacional é integrada por centenas de pesquisadores, muitos deles, mulheres, responsáveis por compilar todo o conhecimento científico já produzido sobre a floresta amazônica e propor caminhos para evitar sua destruição. Esse trabalho resultará no primeiro relatório científico realizado para toda a Bacia Amazônica e seus biomas, previsto para o segundo semestre deste ano.

Representatividade importa

Com pesquisas focadas nas áreas de gestão de recursos e recuperação florestal, a bióloga boliviana, Marielos Peña Claros, é uma das mulheres cientistas membro do Comitê Diretor de Ciência do SPA. Fazer parte do painel, para ela, é uma oportunidade de colaborar para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e garantir representatividade feminina na iniciativa. “O papel da mulher na ciência é importante.  A mulher traz uma visão diferente dos homens, questionamentos diferentes, além de uma facilidade para formar e trabalhar em equipe, buscando incluir pessoas de todos os tipos”, destaca a pesquisadora. “O Painel Científico para a Amazônia tem tido muito cuidado para ter representação feminina tanto nos grupos de trabalho, quanto no Steering Committee (Comitê Diretor, em inglês)”, complementa.

Professora do Departamento de Ecologia e Manejo Florestal na Universidade de Wageningen, na Holanda, Marielos investiga o manejo de florestas tropicais, com ênfase em pesquisa ecológica para definir as melhores práticas.  Seu trabalho também abrange o estudo sobre a recuperação de florestas após impactos humanos, como a extração de madeira, e tratamentos silviculturais que aceleram esse processo. A motivação para se tornar cientista veio da vontade de trabalhar em laboratórios, utilizando equipamentos como o microscópio. O sonho se tornou realidade, mas veio acompanhado de muitos desafios que as mulheres da área enfrentam. Um deles, segundo ela, é ser minoria na maior parte dos espaços que ocupou, além de precisar comprovar suas competências em uma corrida quase sempre desigual.  “A mulher tem que provar que pode, muito mais que um colega homem da mesma idade. Sempre tem que fazer mais, comprovar mais”, afirma.

A realidade vivenciada por Marielos vem mudando nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho para que a igualdade de gênero seja alcançada na ciência. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), menos de 30% dos pesquisadores no mundo são mulheres. Para a cientista boliviana, algumas iniciativas podem – e já estão – contribuído para estimular a participação feminina. Ela cita como exemplo premiações voltadas para mulheres cientistas, para pesquisadoras jovens e de países em desenvolvimento. Também destaca a importância de incluir a ciência nos meios de comunicação, dar visibilidade às pesquisas de mulheres cientistas em escolas e universidades, e incluir mulheres nos espaços de avaliação, como bancas de mestrado e doutorado.

Realidade brasileira

No Brasil, as mulheres correspondem a aproximadamente 40% dos pesquisadores que declararam ter doutorado na Plataforma Lattes, de acordo com um levantamento feito pelo Open Box da Ciência. Essa aparente equidade de gênero mascara a realidade ainda desigual se consideradas as diferentes áreas do conhecimento: nas ciências exatas e da terra, elas são 31% dos pesquisadores, e nas engenharias, são apenas 26% do total. Para a cientista brasileira Luciana Vanni Gatti, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o machismo na ciência impacta principalmente o avanço na carreira e a ocupação das posições de liderança.

“É muito difícil as mulheres se sobressaírem”, declara a cientista. “Quando você vê a quantidade de homens e mulheres em posições de destaque, em posições de decisão na ciência, você vê claramente o quanto existe de machismo dentro da área no Brasil”, aponta.

A pesquisadora acredita que um dos caminhos para promover a igualdade de gênero e a participação feminina na ciência é a criação de políticas que garantam representatividade nos cargos de direção de universidades, institutos de pesquisa, agências de fomento, entre outros espaços. E ela já está trabalhando para que haja a implantação dessa proposta no INPE. “Eu comecei pelo meu departamento e o pessoal gostou, a gente está implementando. Somos um grupo de mulheres que está elaborando uma carta para que o INPE todo adote isso e a ideia é mandar essa carta para a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) também. Acho que nós temos que trazer essa mudança”, destaca.

Luciana integra o Painel Científico para a Amazônia como autora principal do Grupo de Trabalho Interações Biosfera-Atmosfera. Graduada em Química e doutora em Ciência, atua em pesquisas na área de mudanças climáticas, focadas no entendimento do papel da Amazônia na emissão/absorção de Gases de Efeito Estufa (GEE) e o efeito das variáveis climáticas nestes balanços.

Trabalhando na região desde 1998, ela conta os desafios de estudar a maior floresta tropical do mundo. “A primeira dificuldade de se fazer ciência na Amazônia é que a Amazônia é gigante. Existe uma dificuldade de acesso muito grande. Tudo é remoto, é difícil chegar”, explica. Além da vastidão e diversidade da região, há ainda a baixa valorização da ciência no Brasil, uma situação que vem se agravando nos últimos anos, afirma Luciana. “Existe um combate claro à ciência, uma desvalorização clara da ciência. E nenhum país evolui sem ciência. Na atualidade, tudo o que a gente tem dependeu do conhecimento científico gerado. Ignorar a ciência é condenar o país ao atraso. E isso se torna mais complicado ainda em relação à Amazônia, porque a região está enfrentando uma ostensiva destruição”, alerta.

Voz feminina na Amazônia colombiana

Considerada uma das maiores autoridades em estudos sobre incêndios e ecologia da paisagem na Amazônia colombiana, a geógrafa Dolors Armenteras também teve que lutar contra os obstáculos de ser pesquisadora em um país onde a ciência carece de recursos, além de enfrentar o preconceito de gênero para ser ouvida por seus colegas e pela comunidade científica. Catalã nascida em uma pequena cidade perto de Barcelona, mora na Colômbia desde 1998, e é pioneira no monitoramento da biodiversidade usando dados de satélite no país. Atualmente, é professora da Universidade Nacional da Colômbia, onde fundou o Grupo de Pesquisa em Ecologia da Paisagem e Modelagem de Ecossistemas (Ecolmod).

Dolors sempre teve paixão pelas florestas, paisagens e pela prática de esportes ao ar livre, como montanhismo. Tinha o desejo de conhecer as florestas tropicais e aplicar suas habilidades analíticas para conservar a natureza. Na academia, encontrou um espaço onde poderia fazer perguntas e buscar respostas. Como cientista, agora tinha uma voz que não poderia ser silenciada. Hoje, a pesquisadora trabalha para o Painel Científico para a Amazônia, liderando o grupo de trabalho “Causas do Desmatamento, Degradação Florestal, Incêndios e seus Impactos”. O Painel ampliou ainda mais o alcance do seu discurso em defesa da floresta. “A oportunidade de ter voz para o desenvolvimento da Amazônia é muito importante”, destaca.

No SPA, a pesquisadora também está contribuindo para salientar as diferenças interregionais na Amazônia. “As pessoas pensam que a Amazônia é o Brasil. Isso é um grande desafio. A Amazônia é composta por outros oito países. Há diferenças políticas, sociais, econômicas”, ressalta. “Temos que reconhecer essas diferenças, assim como reconhecer as similaridades. E trazer soluções para elas”, complementa.

Para Dolors, o mais difícil de ser mulher na ciência é ser sempre questionada e ter que lidar com o famoso mansplaining, termo usado para descrever episódios em que homens explicam coisas óbvias às mulheres, muitas vezes com um tom paternalista, como se elas não fossem intelectualmente capazes de entender. Para que essas situações sejam cada vez menos comuns, a cientista acredita que precisa haver transformações na educação de base, desconstruindo estereótipos de gênero que afetam as escolhas profissionais de meninas e meninos, ainda na infância.

Outras barreiras estruturais também precisam ser quebradas. A pesquisadora cita iniciativas para facilitar o dia a dia de estudantes mães, que muitas vezes enfrentam jornadas triplas de trabalho, alternando-se entre as atividades acadêmicas, o cuidado com os filhos e o mercado de trabalho. Também destaca a importância de criar chamadas para financiamento de projetos de pesquisa específicas para mulheres, para garantir mais equilíbrio no número de trabalhos publicados por homens e mulheres. “As mulheres são metade da população e o nosso papel deveria ser o mesmo que o do homem. A representação deveria ser a mesma. Isso tem que ir acontecendo ao longo do tempo. Jovens cientistas estão cada vez mais rompendo essas barreiras”, comenta, destacando ainda que é necessário menos discurso e mais prática. “Vamos chegar na igualdade de gênero quando uma mulher cientista não virar notícia por ser mulher”, concluiu.

Cientista em prol da Amazônia

Já a geógrafa e líder do grupo de trabalho “Políticas de Conservação e Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia” do SPA, Ane Alencar, afirma que as mulheres têm um olhar mais amplo e habilidoso para algumas perguntas complexas da ciência. Ela defende mais contratações de mulheres na área científica, reforçando a importância do olhar feminino.

“Para as meninas que querem entrar na carreira científica, sugiro que estudem cada vez mais, sigam seus sonhos e não limitem seus sonhos. Qualquer mulher pode se descobrir cientista e pode ser um prêmio Nobel na área, não tenha medo de apreender e nem de perguntar, porque um bom cientista se faz com perguntas”, disse.

Ane Alencar fez mestrado na Universidade de Boston (EUA) e doutorado na Universidade de Flórida, também nos EUA, e atualmente é diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), além de liderar o Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), uma iniciativa multi-institucional envolvendo universidades, ONGs e empresas de tecnologia, unidas para contribuir com o entendimento das transformações do território a partir do mapeamento anual da cobertura e uso do solo. É uma das poucas especialistas brasileiras nos estudos com fogo. Ela começou a estudar a ciência do fogo por conta do desmatamento e das mudanças climáticas, principalmente na Amazônia. Também já participou de diversos estudos que criaram Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia.

“Fico feliz em poder contribuir com meus colegas da ciência com a região que nasci, a Amazônia, e o que mais me motiva na minha área de atuação é o fato de conservar esse patrimônio ecológico, cultural e imaterial.  Eu acredito ser um propósito muito especial na minha vida. Estudei por uma coisa que eu gosto, respondendo perguntas que eu acho interessante, fazendo ciência e ajudando a melhorar ou propor alternativas de um uso melhor dos recursos naturais”, afirma Alencar.

Sobre a SDSN Amazônia

A SDSN Amazônia é uma rede vinculada à ONU e secretariada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) que visa integrar os países da Bacia Amazônica, engajando universidades, organizações não governamentais, centros de pesquisa, instituições governamentais e privadas, organizações multilaterais e sociedade civil para promover a resolução prática de problemas para o desenvolvimento sustentável da região. Mais informações sobre a iniciativa estão disponíveis no site: www.sdsn-amazonia.org.