Olimpíada da Floresta: jogos inéditos promovem esporte e diversão para crianças ribeirinhas do Uatumã
31/10/2016
Por Mariana Filizola
Treino, suor e expectativa. A preparação para aquele dia levou a empolgação a níveis altos, semelhantes à emoção de assistir pela televisão aos jogos ocorridos meses antes no Rio de Janeiro. A diferença eram os personagens – dessa vez, os atletas eram eles. Janilson, Glória, Maria Helena e Ana Deusa se preparam por semanas para competir na 1a Olimpíada da Floresta, realizada no Ultimo final de semana pelo projeto de Desenvolvimento Integral da Criança e do Adolescente Ribeirinho do Amazonas (Dicara), da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), no NUcleo da RDS Uatumã.
Em comum, os novos atletas traziam a responsabilidade de representarem suas comunidades e a ansiedade de participar de uma Olimpíada. “Nunca imaginei que iria participar de uma Olimpíada!”, afirma Maria Helena Costa, de oito anos. “Treinamos muito lá na comunidade, tomara que a gente ganhe”, concluiu, empolgada. Janilson Rodrigues, 16, treinou para competir em quase todas as modalidades, que incluíam futebol, canoagem e salto a distância. “Acho que estou preparado para todas as competições. Treinei muito pra fazer bonito”, afirmou. Vindo da comunidade de São Francisco do Caribi, a cinco horas da sede de Itapiranga, Janilson conquistou a segunda maior marca no salto a distância naquela noite – 4,84 metros. “Até eu me surpreendi, não imaginei que era tão bom nisso”, afirmou, com um sorriso que não escondia a modéstia. O atleta mirim faz parte das duzentas crianças e jovens que participaram do evento, vindas das quase 12 comunidades da Reserva.
Segundo Ademar Cruz, coordenador do projeto DICARA, a ideia ousada de realizar uma Olimpíada na floresta veio de uma reunião de planejamento junto com os comunitários e tem um enorme potencial entre os jovens. “A atividade esportiva está no sangue do brasileiro e com os comunitários não é diferente. O interessante é aproveitar a animação da atividade esportiva para desenvolver outras coisas entre eles, como o encontro e as relações entre as comunidades. Eles precisam entender que onde eles moram, as coisas também são capazes de acontecer”, afirma. Na ocasião, foi feita uma votação para escolha da sede onde seria realizado o evento, em uma disputa acirrada. “Por poucos votos nossa comunidade, o Maracarana, não foi escolhido, mas ano que vem tem mais, e se formos nós, vamos fazer uma festa ótima!”, adiantou Luzinete Costa, comunitária treinadora das equipes femininas e mãe de Maria Helena, atleta mirim.
Apesar de ter sido classificada em terceiro lugar no placar geral, a comunidade do Maracarana se destacou pela apresentação na cerimônia de abertura, ocorrida na sexta à noite. As crianças representantes da comunidade fizeram uma entrada com direito a dança, comidas típicas e roupas decoradas, representando elementos característicos da agricultura do Maracarana. Além dessa, outras comunidades participantes da Olimpíada realizaram na abertura apresentações musicais e teatrais, em uma festa que teve a entrada de bandeiras e de representantes das modalidades esportivas.
A abertura teve ainda a fala de atores importantes para a realização do evento, como o sr. João Raimundo Mendonça Leite, líder comunitário da região, e Eduardo Costa Taveira, superintendente Técnico-Científico da FAS que destacou a importância do evento nas ações do projeto desenvolvidas na região. “Essa primeira Olimpíada é fruto do processo do DICARA de garantir os direitos voltados ao esporte e educação para as populações ribeirinhas, principalmente na faixa etária de 6 a 17 anos que é o foco do projeto”, afirma.
Segundo Eduardo, o evento tem um grande potencial de integração. “Com os resultados que estamos vendo aqui, temos uma boa expectativa de como pode ser no futuro a participação ativa das comunidades ribeirinhas em atividades como essa, que reforçam o lUdico. Ã? uma oportunidade de se integrar às estratégias das escolas ribeirinhas, aliando esporte, educação e meio ambiente”, encerrou. A noite foi encerrada com o acendimento da tocha olímpica e fogos de artifício, que atraíram os flashes dos atletas, comunitários e professores presentes.
As equipes, vindas dos polos do Maracarana, Jacarequara e do NUcleo da Reserva, começaram as competições logo cedo no dia seguinte. De manhã, os jogos de futebol e queimada agitaram os atletas, mesmo competindo na areia quente. No período da tarde, em uma pausa nas competições, a equipe do Projeto Arquearia Indígena no Amazonas, que viajou de Manaus, até o nUcleo com a equipe da FAS, realizou uma demonstração de tiro com arco, proporcionando a prática para os comunitários.
No fim da tarde de sábado, as competições foram chegando ao fim e o cansaço dos atletas era alternado pela ansiedade de descobrir qual comunidade seria a vencedora geral da Olimpíada. Enquanto as campeãs da queimada corriam para a final, sentado num banquinho estava o sr. João, calmo e observando cada lance das finais de vôlei na outra quadra de areia. Foi interrompido por uma bola chutada por Leo, de três anos, que apesar de novo demais para competir, jogava bola sozinho na lateral do campo. Sorrindo, o sr. João chutou a bola de volta ao garoto. “Essa juventude aí está tendo um conhecimento e responsabilidade que a gente não teve”, afirmou. “Eles têm tudo para saber cuidar do mundo direito e se desenvolver. Quem sabe um dia sai até um atleta daqui mesmo, do rio pro mundo”. Se depender de empenho e entusiasmo, os atletas da RDS do Uatumã tem muitas Olimpíadas pelas frente.
Sobre o Dicara
O Programa de Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes Ribeirinhas na Amazônia (Dicara) desenvolve ações voltadas à garantia dos direitos de crianças e adolescentes de Unidades de Conservação (UC) no Amazonas. As atividades são desdobradas em componentes que complementam as iniciativas do Programa de Educação e SaUde da FAS uma vez que atendem crianças em idade pré-escolar, com vistas às garantias básicas de direitos para essa faixa etária.