Regulação do mercado de carbono dever ser prioridade para o Brasil, apontam especialistas na COP27
22/11/2022
Na segunda e conclusiva semana da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, o mercado de carbono foi um dos temas mais recorrentes nas mesas de discussão e agendas de negociação para o combate à crise climática. Guardião de uma das maiores porções de florestas tropicais do mundo, o Brasil intensifica seu protagonismo no debate.
Sinais dessa retomada foram vistos ao longo da semana, como o lançamento do Programa Carbono+, feito pelo Governo do Amazonas e a declaração do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, que o Senado vai priorizar projetos para a regulação desse mercado.
A regulação do mercado de carbono no Brasil também foi o assunto central do painel “O papel de um mercado de carbono regulado para apoiar o setor empresarial brasileiro no alcance de metas net-zero”, que aconteceu na última sexta-feira (18/11) durante programação da COP 27.
Realizado no espaço Brazil Action Climate Hub, em Sharm-el-Sheik, Egito, o evento reuniu perspectivas de integrantes da academia, da sociedade civil e do setor financeiro para o estabelecimento de um mercado de carbono que seja eficiente para a economia e, ao mesmo tempo, benéfico para a conservação do meio ambiente no Brasil.
Organizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, o painel contou com a presença de Emilio La Rovere, Coordenador do Centro Clima, COPPE-UFRJ; Ronaldo Seroa da Motta, Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ; Victor Salviati, Superintendente de Inovação da Fundação Amazônia Sustentável (FAS); Marcelo Pasquini, Diretor de Sustentabilidade do Bradesco e Carlos Almiro de Magalhães Melo, Diretor de Sustentabilidade BRK Ambiental.
Regulação do mercado de carbono envolve ganhos econômicos para o país e redução do efeito estufa no planeta
Proposta que está em sintonia com a conservação das florestas e a redução dos impactos das alterações climáticas, esse mercado visa regulamentar a partir dos “créditos” de carbono que cada empresa ou país pode emitir para a atmosfera. O mercado de carbono também está em ascendente na economia global. De acordo com a consultoria Refinitiv, o volume de negócios de créditos de carbono chegou a 229 bilhões de euros em 2020.
Participante do painel, o economista e coordenador do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima), Emilio La Rovere, considera que o setor industrial no Brasil se encontra apto para ingressar no mercado de carbono a nível mundial.
“A indústria já vem se preparando há um bom tempo para isso. Já tem simulações de grandes indústrias que são feitas como se elas estivessem submetidas a algum limite e como elas operariam em um mercado desse tipo”, explica. “Existe uma preparação técnica, depende de uma vontade política e de uma convergência com o setor empresarial”.
Referindo-se a tendência internacional de taxação de produtos de acordo com sua “pegada de carbono”, La Rovere acredita que para a indústria nacional que é orientada para exportações, como os setores de carne e soja, a adaptação ao mercado de carbono é de grande interesse. E mesmo para a indústria que trabalha internamente, a competitividade e os avanços tecnológicos trazidos por este mercado, são um imperativo.
“Por exemplo, a siderurgia mundial se preparando para um aço cada vez mais verde, para os processos de redução direta começarem a usar gás natural ao invés de carvão mineral e futuramente hidrogênio verde. Obviamente, se queremos manter nossa competitividade, não podemos ficar fora disso”, comenta.
O economista cita que houve avanços recentes na política nacional, como a publicação de um decreto (nº11.075 de 19 de maio de 2022), que “estabelece um arcabouço para o mercado brasileiro de redução de emissões”, e que, no próximo governo será necessário “o estabelecimento de planos setoriais de mitigação, para controlar o desmatamento e estabelecer metas setoriais de quanto será o esforço solicitado à indústria para chegarmos em 2025 e 2030 aos objetivos da NDC (dos países signatários do Acordo de Paris)”, afirma.
“Tudo que estamos discutindo a respeito do mercado de carbono converge para uma questão que é coordenar a transição que tem que ser feita de uma economia de mais baixo carbono”, pontua o diretor de Sustentabilidade do Bradesco, Marcelo Pasquini. “Nós almejamos que as indústrias tenham incentivos cada vez maiores para ficar dentro das metas estabelecidas para cada um desses setores e que elas implementem todos os planos de ação necessários para reduzir essas emissões ao longo do tempo”.
Mercado de carbono abre possibilidades para políticas públicas de conservação ambiental, avalia Fundação Amazônia Sustentável
Representando a visão de organizações socioambientais atuantes na Amazônia, o superintendente de Inovação e Desenvolvimento Institucional da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Victor Salviati, destaca que:
“Quando se pensa em mercado de carbono voluntário, que é um pouco mais sólido no Brasil, se pensa em florestas. Mais de três quartos das emissões brasileiras vêm de mudanças no uso do solo, não só de floresta, desmatamento e degradação, mas também de agropecuária. Então temos que trabalhar para parar essas conversões e reduzir as emissões dos estoques, das florestas em ameaça”.
Citando o REDD (sigla para “Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal”), Victor Salviati afirma que o Brasil tem vanguardismo no mecanismo de compensação de emissões e arrecadação de recursos por meio da redução de desmatamento e degradação.
“Esse é um instrumento para se fazer políticas públicas, com base na redução de emissões e pensando em agricultura de baixo carbono, regularização fundiária, Cadastro Ambiental Rural e outras políticas e ferramentas que já existem no país”, avalia.
Victor Salviati também aponta que, para se iniciar um mercado regulado de carbono no Brasil, são necessários integridade, registro e salvaguardas, para conferir confiança ao setor financeiro e atrair mais recursos.
“Eu acredito que é preciso envolver todos os setores da sociedade brasileira, não só a ciência, sociedade civil, mas também as empresas, porque elas têm alguma agilidade para colocar recursos na ponta, para escalar, e mais ainda quando eu coloco o selo de uma instituição como Bradesco ou a BRK, eu atraio mais recursos, isso é importante para a gente iniciar um mercado”, declara.
No âmbito internacional, o representante da FAS também destaca que o recente estabelecimento da Aliança das Florestas, acordo trilateral entre Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia, que foi chamado informalmente de “OPEP das Florestas”, demonstra que “os três maiores países com maiores trechos de florestas tropicais do mundo, se mobilizam ainda mais para fazer integridade, registro e salvaguardas”.
“Temos uma sinalização muito importante para a próxima COP que aí eu acho que nós brasileiros temos que arregaçar as mangas ainda mais pra levar para o ano que vem o que nós sabemos o que fazer: desenhamos o plano, a implementação está posta do ponto de vista diplomático, agora é ir pro território e fazer acontecer”.
Sobre a FAS
Fundada em 2008 e com sede em Manaus/AM, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é uma organização da sociedade civil e sem fins lucrativos que dissemina e implementa conhecimentos sobre desenvolvimento sustentável, contribuindo para a conservação da Amazônia. A instituição atua com projetos voltados para educação, empreendedorismo, turismo sustentável, inovação, saúde e outras áreas prioritárias. Por meio da valorização da floresta em pé e de sua sociobiodiversidade, a FAS desenvolve trabalhos que promovem a melhoria da qualidade de vida de comunidades ribeirinhas, indígenas e periféricas da Amazônia.
Créditos da imagem: Júlia de Freitas