Floresta de R$ 1 bilhão
06/03/2009
Por Gustavo Faleiros
Frear o desmatamento nas regiões tropicais é parte da luta na questão das mudanças climáticas. Países em desenvolvimento esperam que as nações ricas contribuam financeiramente para a solução do problema. Mas como garantir que os direitos humanos sejam respeitados quando é posta em prática esta cobrança?
O acesso à Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma,- que ocupa uma área de 589 hectares de terra em plena floresta tropical no Estado do Amazonas, no Brasil – só é feito através de uma jornada em estrada de terra ou pelo ar. Após várias horas de viagem em veículo 4X4 com intensas trepidações é impossível não ficar impressionado quando se chega ao destino final: uma comunidade no meio da floresta que consegue preservar o local em que vive. Talvez ainda mais intrigante seja o fato de que cada uma das famílias possuam um cartão de crédito. Na realidade, há uma associação direta entre a preservação da floresta e tais plásticos que formam os cartões.
Pagamento que preserva as árvores
Na Reserva do Juma, 339 famílias vivem em 35 comunidades. O crédito pago à cada uma das famílias gira em torno de R$ 50 mensal cuja função é compensá-los por seu trabalho na preservação da floresta em que vivem, mantendo-a praticamente intacta. Caso ocorra um desmatamento na área, o benefício será retirado da família cadastrada. À primeira vista, este mecanismo pode até soar como um populismo brasileiro, no entanto, a iniciativa, denominada Programa Bolsa Floresta tem sido considerada por muitos especialistas ao redor do mundo como um modelo exemplo para combater o desmatamento.
Por muitos anos, governantes e Organizações não Governamentais tem discutido de que forma as nações podem se unir e definir estratégias para parar com a destruição das florestas que ainda restam no planeta. Este debate mobilizou a questão na medida em que as florestas passaram a ser reconhecidas como peças-chave na luta contra as mudanças climáticas causadas pelo homem. O Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC) revelou que cerca de 20% de todas as emissões globais de dióxido de carbono são resultado direto de queimadas.
Fundo de gigante hoteleira
Acredita-se que o modelo na RDS do Juma venha a ser um exemplo de metodologia para uma estratégia global para preservar florestas nativas. Tal estratégia é denominada REDD – Redução de Gases de Efeito Estufa Provenientes de Desmatamento Evitado. Países que assinaram o termo de compromisso firmado na Convenção/Quadro para as Mudanças Climáticas da ONU (COP) na cidade polonesa de Poznan, em dezembro do ano passado, concordam em definir as linhas gerais do funcionamento da metodologia de REDD. Atualmente, tais países estão em fase de negociação de como fazer para que tal metodologia seja inserida no novo acordo climático das Nações Unidas, que deve ser definido na próxima COP, em Copenhague, no final de 2009.
O Projeto na RDS do Juma tem sido desenvolvido há seis meses. O apoio financeiro é obtido por meio de um grande grupo empresarial interessado na compensação de carbono. A rede de hotéis Marriott International firmou um convênio com a Fundação Amazonas Sustentável na reserva em que será doado R$ 2 milhões ao longo de quatro anos. Outra ação no sentido de compensar as emissões de centenas de milhares de hóspedes se dá por meio da doação voluntária de cada hóspede para contribuir ao fundo da reserva que será investido na infraestrutura dos próprios moradores. Uma complexa metodologia de projeção de cálculos fornecida por especialistas é capaz de estimar que as doações na reserva do Juma, incluindo todos os doadores, terá ajudado a preservar até o ano de 2050, 62% da reserva, o que equivale a cerca de 210 milhões de toneladas de carbono.
Compensação de carbono
Virgilio Viana é o responsável pelo programa do Juma. Ex-secretário de estado de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, ele hoje responde pela direção geral da Fundação Amazonas Sustentável, que atua em prol da melhoria da qualidade de vida dos que vivem nas florestas através de novas iniciativas, dentre elas o Programa Bolsa Floresta e o próprio REDD. Para Viana, o caso do Juma é um exemplo que evidencia ser possível contornar um mecanismo de compensação de carbono mundial e, ao mesmo tempo, contribuir para dar mais qualidade e dignidade aos moradores da floresta. “Nós temos sido pragmáticos ao envolver grandes coorporações neste projeto. E atuamos de forma totalmente transparente”, salienta.
Mas defensores dos direitos humanos e grupos ambientalistas hoje tem como foco de discussão qual será o impacto da comercialização do carbono sobre os demais recursos florestais. Questiona-se, por exemplo, em que medida o mecanismo de REDD irá mudar a vida das pequenas comunidades nas florestas? E ainda, como os que estão por trás do projeto irão compartilhar os benefícios com os locais? Indo além, como é possível monitorar o benefício do REDD às comunidades, garantindo que a floresta seja, de fato, preservada?
Oportunidade ou problema?
Uma reportagem recente que trata de um grupo de especialistas britânicos coordenados pelo empresário Johan Eliash, revela que caso o mecanismo de REDD venha a ser uma realidade, poderá criar um fluxo de negócios na ordem de US$ 20 a 30 bilhões entre países desenvolvidos e nações em desenvolvimento. A reportagem que trata do relatório de Eliash insiste em que esta é, na verdade, a quantidade necessária para parar as emissões por desmatamento.
O fundador da campanha mundial “Testemunhas do Planeta”, Patrick Alley, acredita que o mecanismo de REDD possa ser uma oportunidade que os conservacionistas aguardam há anos. No entanto, ele diz que, primeiramente, é crucial que seja definido que uma vez que as florestas tenham valor de mercado climático, o montante oriundo do REDD não venha a ser um problema maior. “Alguns países que estão negociando o REDD são um dos mais pobres e mais corruptos no mundo. Assim como tudo o que envolve uma grande quantidade de dinheiro, o REDD é um grande desafio”, destaca Alley.
Risco de piorar a corrupção
Ao longo de 15 anos, a instituição “Testemunhas do Planeta” tem documentado casos de mau uso dos recursos florestais em países desenvolvidos. O fundador lembra de exemplos de manejos sustentáveis anunciados como ecologicamente corretos na África Central e Sudeste Asiático que são, na verdade, exemplos de práticas que resultam em corrupção. “Em Cameroon ou Cambodia, o que nós vimos foi uma massiva prática de corte ilegal de madeira que tem sido permitida pelos governantes sem qualquer benefício às comunidades”.
O risco destas ameaças por trás dos mecanismos de REDD era o foco da fala das organizações indígenas na tentativa de se chegar a um consenso durante a COP em Poznan, Polônia. Diversos países em desenvolvimento estiveram presentes durante a mesma conferência no sentido de estabelecer que regras específicas sejam criadas para regulamentar mecanismos de proteção, como é o caso do REDD. “A maioria dos países tropicais precisam melhorar a governança dentro das florestas. Existem muitas atividades ilegais mesmo com as boas leis que já existem. Não há um controle incisivo”, revelou Kenn Mondiai de Papua Nova Guiné.
Direitos que não foram colocados à mesa
Mas ao invés de solucionarem seus problemas específicos antes, os países tropicais parecem estar se apressando para tirarem proveito dos benefícios oriundos do mecanismo de REDD. Em janeiro de 2009, a Fern, uma empresa especializada em monitoramento de mercado de carbono sediada em Bruxelas apresentou um projeto com base em 25 metodologias de projetos nacionais de REDD que já estavam em andamento em países inlcuindo Paraguai, Ghana, Panamá e Cameroon. O relatório foi apresentado no Instituto Royal Britânico. O estudo revela que apenas alguns países mencionaram o aspecto da atenção voltada aos direitos humanos das comunidades locais. O título de terra, por exemplo, nem havia sido apontado como um problema nos projetos. “Os direitos humanos simplesmente não foram colocados à mesa para serem debatidos”, disse Iola Lean, da fundação independente.