Projeto realizado pelo Hub de Bioeconomia Amazônica promoveu encontros entre pesquisadores, técnicos, representantes de governos locais e empreendedores amazônidas que desenvolvem alternativas econômicas verdes na região
A união entre os saberes populares e o conhecimento técnico-científico é uma das forças da bioeconomia amazônica. O motivo é a oportunidade de conciliação dos modos de fazer ancestrais de povos da Amazônia, ensinados através de gerações, com novas tecnologias e processos que melhorem a produção e manejo de produtos da biodiversidade nativa.
A união entre o tradicional e o contemporâneo em busca de soluções sustentáveis, participativas e prósperas foi a tônica do Ciclo “Diálogos para uma bioeconomia inclusiva na Amazônia”, realizado entre agosto e setembro de 2022 por meio de três eventos, que estão disponíveis no canal da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) no YouTube.
Organizado pelo Hub de Bioeconomia Amazônica com apoio do International Institute for Environment and Development (IIED) e financiamento do Partners for Inclusive Green Economy (PIGE), o projeto teve como objetivo apoiar discussões, disseminar experiências e dar visibilidade a soluções desenvolvidas por atores globais, regionais e locais na temática de bioeconomia amazônica.
Todos os encontros tiveram apresentação da facilitadora global do Hub de Bioeconomia Amazônica, Marysol Goes, e mediação do superintendente-geral da FAS e co-fundador do Hub, Virgilio Viana. Confira a seguir um resumo de cada um dos encontros:
Diálogo 1 – Bioeconomia para quem? O protagonismo dos povos da floresta amazônica
No primeiro encontro virtual do projeto, três lideranças representaram a diversidade socioambiental do estado do Amazonas: Raimundo “Xexéu”, presidente da Associação de Moradores e Usuários da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (Amurmam); a professora e artesã Izolena Garrido, liderança da comunidade Tumbira, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro; e o consultor de projetos socioambientais e fundador da Experiência Mawé no município de Maués/AM, Ítalo Mamud Michiles.
As perguntas que deram início à troca de ideias sobre a bioeconomia amazônica foram centradas na experiência dos participantes, moradores de cidades do interior e de comunidades ribeirinhas da Amazônia, e como cada um desenvolveu alternativas econômicas sustentáveis na região.
Nesse contexto, Raimundo Xexéu, por exemplo, relatou a grande transformação ocorrida na geração de renda das comunidades localizadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá com a prática do manejo sustentável de pirarucu.
“A grande conquista hoje é ter uma grande capacidade produtiva, onde 70% do pescado manejado sai de Mamirauá. Com a Amurmam e a parceria da FAS, foi possível armazenar e escoar todo esse pescado de manejo e os povos ribeirinhos passaram a entender a necessidade de processos sustentáveis para o avanço de toda a cadeia produtiva”, afirmou Raimundo.
Já o consultor de projeto socioambientais, Ítalo Michiles, ressaltou a importância de utilizar todo o conhecimento que adquiriu com seus estudos em Manaus para encontrar maneiras de impactar positivamente o desenvolvimento econômico de sua cidade natal, Maués.
“Maués também é uma cidade muito bonita, mas pouco explorada turisticamente. Retornei ao lugar onde nasci para pensar em alternativas de sustento, sustentabilidade e avanço para a economia local. Com esse objetivo, criei a Experiência Mawé para que as pessoas vivenciem a vida local e ao mesmo tempo tragam mais prosperidade sustentável para o território”, explicou o consultor.
Na segunda rodada do diálogo, os participantes foram perguntados quais as principais medidas, propostas e ações que precisam ser tomadas para a promoção de uma bioeconomia inclusiva na Amazônia.
A professora Izolena Garrido, uma das lideranças da comunidade Tumbira, enfatizou que as questões de logística e educação devem entrar no mapa do que precisa ser aprimorado.
“Precisamos mostrar para o mundo que a Amazônia tem grandes potenciais e também fortalecer as cadeias produtivas, incluindo as pessoas através da educação ambiental, social e econômica, valorizando os fazeres e os saberes tradicionais de cada região. Conservar as pessoas nas comunidades por meio da capacitação é garantia de qualidade de vida”, destacou a professora.
Em complemento a essas questões, Raimundo Xexéu reforçou a necessidade dos comunitários em ter acesso à uma base de educação forte e continuada para que eles não precisem sair de suas comunidades para se capacitar.
“É necessário que haja uma educação inclusiva para que a população entenda a importância de consumir um produto de produtores locais. Saber de onde vem a sua farinha e o seu peixe, e entender a importância que isso tem para a economia sustentável e para o progresso da região e das populações tradicionais”, acrescentou o presidente da Amurmam.
Diálogo 2 – Bioeconomia e o papel dos governos locais
O segundo debate da série teve como tema “Bioeconomia amazônica no centro da política: o papel dos governos locais para o fomento de uma bioeconomia inclusiva na Amazônia”.
Para debater o assunto, foram convidados a diretora de bioeconomia, mudanças climáticas e serviços ambientais da Sema-PA, Camille Bemerguy; o secretário de Desenvolvimento, Tecnologia e Inovação da Sedecti – AM, Angelus Figueira; a pesquisadora da Embrapa-AP Ana Euler; a gerente adjunta de Povos Indígenas e Comunidades tradicionais da The Nature Conservancy e Co-líder da Força Tarefa de Bioeconomia da Coalizão Brasil, Juliana Simões; e o gerente regional da ICLEI América do Sul, Bráulio Braz.
Durante o encontro, os painelistas Ana Euler, Juliana Simões e Bráulio Braz destacaram as principais atividades desenvolvidas pelas suas respectivas organizações de trabalho que são voltadas para o estímulo de uma bioeconomia inclusiva na Amazônia.
A pesquisadora Ana Euler apresentou o portfólio de atividades da Embrapa para uma economia sustentável e segurança alimentar na Amazônia. A painelista esclareceu que as atividades têm como objetivo integrar inovação e sustentabilidade na promoção de novos modelos de desenvolvimento dentro da Amazônia Legal.
“Este portfólio tem um olhar para a diminuição de desigualdades, para a melhoria de bem-estar humano e redução de desmatamento e degradação a partir de inovações tecnológicas”, destacou Ana.
Juliana Simões abordou as iniciativas da Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura, rede da sociedade civil na qual atua e que reúne mais de 300 organizações como ONGs, empresas do setor privado e organizações de pesquisa.
“A gente sabe que uma bioeconomia para a Amazônia tem suas peculiaridades, então é importante que a gente possa pensar em uma política nacional, mas também pensando e adequando essa política às características à vocação de cada bioma”, afirmou Juliana.
Bráulio Braz, por sua vez, informou que o ICLEI América do Sul atua em mais de 105 cidades e tem trabalhado para construir e apoiar os governos locais para impulsionar um desenvolvimento sustentável, a partir de uma perspectiva panamazônica.
“Estou sempre tomando essa visão de panamazônia como a infraestrutura resiliente, limpa com transporte urbano e transporte de mobilidade sustentável”, declarou Bráulio.
A economista Camille Bermeguy afirmou que, além de construir um conceito unificado de bioeconomia, o esforço realizado no estado do Pará também exige em pensar políticas públicas que se baseiam na natureza, na bioeconomia e na biodiversidade local. Ao mesmo tempo, observou, também buscam reconhecer e valorizar os conhecimentos das comunidades locais.
Com relação ao Amazonas, o secretário da Sedecti, Angelus Figueira, avaliou que o desenvolvimento econômico no estado esteve sempre muito associado ao seu distrito industrial. Nesse sentido, afirmou que as políticas estaduais têm tentado avançar na frente da bioeconomia, atuando nas cadeias do açaí, da castanha, do cacau e dos serviços agroflorestais em busca de uma matriz econômica mais robusta social e economicamente.
“O estado do Amazonas mantém uma cobertura vegetal diferenciada e a bioeconomia que queremos, que sonhamos, é mais que uma necessidade do ponto de vista social”, disse o secretário.
Diálogo 3 – Cooperação internacional para uma bioeconomia inclusiva na Amazônia
Para a discussão do tema foram convidados o assessor do GIZ (Agência de Cooperação Técnica da Alemanha no projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor) Carlos Demeterco, e o gerente de Programas do Climate Group e representante da Coalização Under2 no Brasil, Rolf Bateman.
Para Rolf, ainda é necessário que ocorra uma mudança de pensamento da sociedade quando se trata do fortalecimento da bioeconomia. Durante sua fala, ele reforçou a importância do aumento de financiamentos, principalmente para projetos em grande escala, além dos desafios em estrutura e logística, no que diz respeito ao transporte hídrico para o escoamento das produções.
“Existe uma questão a ser superada que é o entendimento de que a cooperação internacional é uma afronta à soberania do país”, complementa Rolf Bateman. “Devemos colocar como uma agenda prioritária, entender que a cooperação internacional é benéfica para o Brasil e que cada vez mais os mecanismos internacionais estão também se voltando para incorporar conhecimento tradicional e conhecimento técnico local”
Como representante da Coalização Under 2, que tem como objetivo fazer com que os nove estados da Amazônia brasileira desenvolvam trajetórias que diminuam as emissões de carbono, Bateman citou cinco ações do governo do Amazonas que contribuem para a bioeconomia e que se desenvolvidas corretamente, conseguirão uma redução de 44 gigatoneladas de gás carbônico até 2030. São elas: ação de proteção florestal, eficiência do uso do solo, manejo florestal sustentável, produtos florestais madeireiros e expansão florestal.
Dando continuidade ao diálogo, Carlos Demeterco ressaltou as formas com que a GIZ entende o conceito de bioeconomia e as cadeias de valor. Por meio da metodologia que alinha inclusão (social e ambiental), sustentabilidade, viabilidade, valorização e visibilidade, a agência tem o objetivo de fomentar a comercialização de produtos da sociobiodiversidade e de cadeias de valor prioritários para o desenvolvimento da bioeconomia sustentável inclusiva na Amazônia. O projeto teve início em 2021 e segue até 2026.
Dentre os avanços da iniciativa, o assessor destacou a criação de câmaras de comercialização nos estados, a criação de políticas estaduais de bioeconomia e o diálogo sobre a regularização sanitária para as cadeias de valor da sociobiodiversidade amazônica. A agência tem como prioridade as cadeias do piraracu manejado, castanha-do-Brasil, cacau nativo, açaí, guaraná tradicional, turismo de base comunitária, entre outras.
O convidado também comentou sobre os desafios de traduzir as “múltiplas Amazônias” em ações que sejam efetivas para cada uma delas. Para ele, o acesso às linhas de financiamento e crédito são os principais problemas enfrentados.
Hub de Bioeconomia Amazônica
O Hub de Bioeconomia Amazônica conecta, articula e amplifica experiências e soluções de diversos atores para a promoção de uma bioeconomia inclusiva na Amazônia.
A iniciativa tem origem em uma parceria entre a Green Economy Coalition (GEC) – uma das maiores alianças globais de organizações multissetoriais engajadas na promoção de uma economia verde e justa no mundo – e a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) – organização reconhecida como a maior instituição amazônica atuante na região, e eleita melhor ONG do Brasil em 2021, segundo o ranking do Prêmio Melhores ONGs.
Saiba mais em https://bioeconomiaamazonia.org/