Diário de COP: Uma perspectiva caboquinha - Blog da FAS

Diário de COP: Uma perspectiva caboquinha

Diário de COP: Uma perspectiva caboquinha
21 de dezembro de 2023 FAS FAS

A 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas aconteceu entre os dias 30 de novembro a 12 – praticamente 13 – de dezembro de 2023 e eu estive lá. 

A intensidade dos dias corridos de uma COP pouco me fez conseguir sentir o quão significativo ocupar aquele espaço era, até que cheguei em casa e ouvi as palavras de minha mãe, sorrindo orgulhosa: “quem diria que uma caboquinha lá de Novo Aripuanã iria para Dubai e participaria de uma COP”. Ao ser atravessada por essa frase, entro em retrospectiva e escrevo para compartilhar a perspectiva dessa caboquinha que esteve na maior conferência de clima do mundo. 

Há 3 anos trabalho na área socioambiental, há 2 anos apoio a agenda da COP e esse ano, a coordenei. Nunca havia saído do país, tudo o que eu sabia sobre as COPs era teórico e tudo o que eu tinha eram as palavras da minha gerente ecoando na minha cabeça “Ray, o que você acha de ir pra COP?” e um sonho: Conseguir pedir um cafézinho em inglês. 

Cheguei em Dubai após muitas horas e tenho certeza de que vi o sol nascer e se pôr umas 3 vezes em 24 horas. Me emocionei ao ver o primeiro carimbo no meu passaporte (enviei a foto aos meus melhores amigos) e me espantei com a grandiosidade da cidade, depois fiquei pensando que as contas de luz devem ser altíssimas, haja energia para tanto pisca-pisca nos prédios. 

No dia seguinte fui a Expo City, credenciada, me deparei com o mundo inteiro em um único local. Como internacionalista, esse foi um dos momentos mais impactantes da minha vida. Enquanto deixo os leitores com a imagem das bandeiras do mundo inteiro hasteadas balançando com o vento em câmera lenta, compartilho o meu sentir: 

A COP é um lugar engraçado, cheio de gente, cheio de câmera e cheio de energia. A gente consegue sentir as pessoas ansiosas para chegarem aos lugares, acompanharem todas as discussões, executar todas as suas demandas e conseguirem espaço de fala nas mesas. Ao mesmo tempo eu pensava que em sua criação, aquele espaço nem era pra sociedade civil e agora, ela ocupava em peso, gritando quase que incansavelmente suas pautas, levantando suas bandeiras e mostrando para o que veio. 

Vi a potência da voz da Amazônia, senti o arrepio de estar na COP que teve negociações chefiadas pela primeira vez por uma mulher indígena – A ministra Sonia Guajajara não sabe, mas eu fiquei cara a cara com ela enquanto acompanhava uma parenta que parou pra conversar com ela, segurei a emoção, senti o arrepio de estar naquela presença tão potente e tirei uma fotinha sem ela perceber pois minha geração sente a necessidade de registrar tudo e todos.  

Pensei muito sobre como era estar na presença de figuras tão emblemáticas e inteligentes – sim, cara secretária de mudanças climáticas Ana Toni, estou falando de você, sou sua fã – e eu diria que EMOCIONANTE. 

No intervalo de muitas reuniões, consegui assistir alguns painéis. Fui atravessada pelas falas de povos indígenas e mulheres ativistas de diferentes países, nesses momentos, me debrucei na reflexão de que, apesar das especificidades de cada lugar, nossas lutas se encontram em diversos momentos, principalmente no que se diz respeito as diferentes formas de redução de desigualdade. No final das contas, queremos ser ouvidos, não só pelos nossos iguais, mas também por quem realmente tem interesse e poder político para mudar alguma coisa. 

É notável que vivemos um colapso global e que precisamos nos adaptar, mas também sabemos que adaptação não dá o retorno que o sistema prefere. Pensar que existe uma necessidade de financiamento climático, mas que ao mesmo tempo, os países emergentes têm prioridades como saúde, educação e segurança para além da crise climática é complexo e triste, ainda assim, é esperançoso assistir movimentos de base e a sociedade civil lutando e erguendo suas vozes para que a vida continue, demonstrando de diferentes formas o óbvio, a pauta climática é um grande guarda-chuva que abarca diferentes temáticas e que precisam de diferentes soluções. 

A COP é o espaço que vi desde anciões a crianças falando de mudança climática, imagino que alguns já bem cansados e outros ainda com muito fôlego para continuar a luta de seus ancestrais. Apesar de ainda pouco democrático, me alegra dizer que as organizações com mais recursos têm se movimentado para além de levar a si mesmos, levar vozes que realmente precisam ser ouvidas e as capacitá-las para estarem ali. Com alegria eu reitero um marco inédito, essa foi a COP com a maior delegação indígena brasileira e do mundo. 

Apesar de não conseguir abarcar todos os pontos, não me alongo e finalizo meu texto com gratidão e alguns desejos:  

Que as próximas conferências sejam cada vez mais democráticas, onde cada comunidade, povo, grupo social possa falar por si e não quem tem mais dinheiro ou visibilidade fale por eles, afinal, nós temos vozes e também temos a vivência. Por mais caboquinhos na COP! 

Que fique cada vez mais claro que a luta é coletiva e que as pessoas que vão todos os anos, possam ceder ou trazer consigo outras vozes diferentes para também ocuparem esses espaços. 

E claro, que a COP30 seja o momento em que a Amazônia seja vista em sua essência, não apenas pelo seu valor de mercado, mas também pela potência de suas histórias e a luta do seu povo. 


Rayandra Araújo é assistente de Políticas Públicas e Cooperação Internacional da FAS.