por Thomaz Nogueira*, Virgilio Viana e Benjamin Sicsú**
A perspectiva de nova ordem econômica, alinhada a demandas globais de sustentabilidade, abre espaços para uma revisão inteligente e responsável do sistema tributário. A Amazônia, pela importância estratégica para o Brasil, precisa ser priorizada.
É hora de debate mais aprofundado sobre o tema. A economia brasileira clama pela modernização do regime tributário, e esse processo precisa conhecer melhor a contribuição histórica da ZFM para a Amazônia e para o Brasil, para que seja aperfeiçoada e tenha os efeitos positivos potencializados.
Com intuito de qualificar o diálogo, um grupo de estudiosos da ZFM somou expertises em torno de documento com propostas para um novo regime tributário, a ser apresentado a governos e diferentes instâncias políticas, empresariais e da sociedade como um todo, sob a liderança da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
A proposta busca consolidar um modelo que está dando certo e, ao mesmo tempo, aumentar a competitividade e a diversificação, incluindo a interiorização do desenvolvimento. Manter e alargar a ZFM é essencial para conservar a floresta e utilizá-la na promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia.
A proposta prevê a criação do Fundo de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, com recursos geridos por nova fundação de direito privado, de forma eficiente, ética e transparente, com instâncias de governança participativa. Para os investimentos em nova matriz econômica e na conservação ambiental, propõem-se duas fontes de recursos principais.
Uma abrange os valores repassados pelas empresas da ZFM como contrapartida dos incentivos fiscais. Inclui-se, nesse mecanismo, parte dos atuais recursos originários da Lei de Informática, que obriga as empresas do setor a aportar 5% do faturamento para pesquisa e desenvolvimento. Essas contrapartidas representarão investimento em torno de R$ 2 bilhões por ano.
Outra fonte financeira inclui mudanças nos incentivos estaduais de ICMS, vigentes até 2023. Sugere-se a antecipação para 2021, de forma alinhada com os conceitos aqui apresentados para reforçar o orçamento do governo do estado em investimentos de infraestrutura de saúde, educação e meio ambiente. A antecipação somará outros R$ 2 bilhões por ano.
O desafio da diversificação produtiva é simbolizado pela bioeconomia amazônica. O que requer fortalecer as instituições de pesquisa e desenvolvimento, estimular o empreendedorismo e a inovação e valorizar o saber dos povos da floresta. A bioeconomia amazônica tem o potencial de ser, a longo prazo, o principal vetor do PIB e, também, da conservação da floresta e da melhoria dos indicadores sociais.
A ZFM, em 2019, atingiu faturamento de R$ 104,6 bilhões, com crescimento anual de 12%, acima da média nacional, somando cerca de 80 mil empregos; com destaque para os setores eletroeletrônico, informática e duas rodas. O Polo de Indústrias de Manaus é patrimônio do Brasil.
Os impactos da ZFM vão além da dimensão econômica. Ao longo de cinco décadas, por concentrar indústrias e serviços em Manaus e atrair populações em busca de oportunidades, o modelo contribuiu, significativamente, para a redução do desmatamento. Isso gerou grandes benefícios para o Brasil ao ajudar a manter o regime de chuvas, essencial à produção agropecuária, geração de energia hidrelétrica e abastecimento urbano de água.
Nos últimos anos, a expansão das queimadas e do desmatamento escancarou a urgência por agenda econômica aliada à conservação. A reforma tributária em curso não pode se esquivar desse desafio.
Para a ZFM tornar-se “capital da bioeconomia amazônica”, é imprescindível aproveitar a sua cultura tecnológica e a capacidade de gestão empresarial. Faz-se necessário complementar os investimentos em novos eixos produtivos, além da bioeconomia amazônica: piscicultura, turismo, produção agroflorestal, mineração responsável e construção naval. Por isso, é primordial identificar, no âmbito da reforma tributária, novas e permanentes fontes de recursos para apoio a esses setores.
Pela importância econômica, ambiental e social, a Zona Franca de Manaus precisa de tratamento diferenciado no texto-base da reforma tributária que tramita no Congresso Nacional, não em instrumento legal posterior. A postergação será desastrosa ao futuro da Amazônia, com impactos negativos para o Brasil e o planeta.
O contexto da crise das mudanças climáticas cria oportunidade para valorizar a Amazônia e trazer novos investimentos, empresariais e socioambientais. A reforma tributária precisa de perspectiva moderna e inteligente.
Artigo publicado originalmente em 9 de julho de 2020 no Correio Braziliense
* Thomaz Nogueira é economista, ex-superintendente da Suframa e ex-secretário de Planejamento do Amazonas
** Benjamin Sicsú é engenheiro civil e presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), e foi secretário executivo do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços