O posicionamento dos investidores internacionais e dos líderes empresariais brasileiros contra o desmatamento da Amazônia reforça o óbvio: desmatar é contra o interesse nacional. A ciência já nos informa, há muito tempo, que a Amazônia é vital para manter o regime de chuvas que alimenta parte significativa da produção agropecuária, da geração de energia hidrelétrica e do abastecimento urbano de água. Além disso, a poluição das queimadas causa um seríssimo problema de saúde pública. Há muito tempo defendemos a tese de que desmatar não é uma atitude inteligente e nem coerente com uma visão de prosperidade e sustentabilidade para o futuro do Brasil.
Agora, além dos prejuízos já conhecidos, temos a provável perda de investimentos internacionais em todos os segmentos da economia. Adiciona-se a isso o fechamento formal de muitos mercados aos produtos brasileiros e as formas sutis de afastar as empresas brasileiras das mais diversas oportunidades de negócios. A deterioração da imagem do Brasil no exterior por causa das crescentes taxas de desmatamento e queimadas é contra o interesse nacional e prejudica a imensa maioria dos brasileiros.
A pergunta óbvia é: por que o governo do Brasil não combate o desmatamento de forma eficaz uma vez que isso beneficia apenas os grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais?
Três hipóteses devem ser avaliadas. A primeira é a hipótese de que existe uma ideologia no governo que defende o paradigma de que a floresta é um obstáculo ao progresso. Portanto, para os que defendem esse paradigma ultrapassado, remover a floresta é positivo. A segunda hipótese é a de que existem grupos de interesse enraizados no governo e na sua base de sustentação no Congresso que estão ligados aos interesses econômicos que se beneficiam do desmatamento. Para esses segmentos, afrouxar os controles ambientais é bom e se traduz em ganhos financeiros. A terceira hipótese é de que o enfraquecimento dos órgãos ambientais, com a redução dos orçamentos e a nomeação de dirigentes sem formação técnica na área ambiental, reduziu a eficácia e a eficiência das políticas públicas.
Independentemente da importância relativa dessas hipóteses para explicar o cenário de aumento constante nas taxas de desmatamento desde o início de 2019, devemos enfrentar esse fato. Não há como negar os dados das imagens de satélite. Existem muitos satélites e as imagens são cada dia mais precisas e disponíveis. Não adianta alimentar uma narrativa de que a imagem negativa do Brasil se deve a um surto de desinformação súbita da comunidade internacional. Infelizmente, os grandes investidores internacionais e os líderes empresariais brasileiros estão bem informados. Portanto, combater a atual crise com uma campanha de comunicação não resolverá o problema.
O caminho é razoavelmente óbvio: precisamos enfrentar o problema do desmatamento de forma séria, buscando tanto a eficácia quanto a eficiência das medidas de combate ao desmatamento. O Brasil tem inteligência instalada para definir o que deve ser feito. Foi a ação integrada do governo federal e dos governos estaduais que levou à redução do desmatamento no período de 2003 a 2012. Vale destacar que também contribuíram muito para esse resultado as organizações da sociedade civil, as empresas e produtores rurais, os movimentos sociais, artistas e a academia. Foi um somatório das ações de todos que produziu resultados positivos e que trouxe enorme reconhecimento e credibilidade ao Brasil como líder internacional na área ambiental.
É necessária a união dos principais segmentos da sociedade brasileira para construir um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. É essencial alinharmos uma visão de longo prazo de que o desmatamento em todos os biomas é ruim para o Brasil. É do interesse nacional caminhar o mais rápido possível para o desmatamento zero. Para isso, o governo federal deveria revitalizar os seus órgãos responsáveis pela política ambiental, fundiária e indígena, contratando servidores, aumentando o orçamento e nomeando dirigentes com formação técnica e competência gerencial. Em paralelo, o governo deveria apoiar financeiramente os estados e municípios para que também tenham mais eficácia nas suas ações. Por fim, caberia a união de todos pela Amazônia, numa grande aliança nacional: organizações da sociedade civil, empresas, produtores rurais, movimentos sociais, artistas e academia.
Estruturado esse movimento de todos pela Amazônia, aí sim, poderíamos contratar empresas de comunicação e marketing para dizer ao mundo que o Brasil retomou os trilhos da proteção da Amazônia contra o desmatamento. Como contrapartida, poderíamos solicitar o oposto do que vem acontecendo: mais doações para o Fundo Amazônia e mais investimentos no Brasil, especialmente na economia verde. Fazer isso seria realmente defender o interesse nacional.
Artigo publicado originalmente em 24 de agosto de 2020 na Revista Eco 21