É hora de repensar como vivemos, como consumimos, como trabalhamos e como nos preparamos para os eventos extremos que serão cada vez mais frequentes e catastróficos
O ano de 2023 será lembrado pelo marco da chegada de um novo momento da história: a era da adaptação às mudanças climáticas. Há décadas, a ciência vem alertando sobre a gravidade do problema e a urgência de medidas para evitar cenários graves. Infelizmente, essas medidas não vêm sendo tomadas na velocidade e na escala apropriadas. Agora, temos que lidar com as consequências disso.
A seca da Amazônia talvez seja o mais emblemático dos sintomas dessa nova era. Os rios secaram em uma velocidade espantosa, com destaque para o Rio Negro, cujo recorde anterior de nível d’água mais baixo já registrado era de 2010 e foi quebrado com folga. Escolas ribeirinhas estão sem aulas desde setembro, e muitas comunidades não têm água potável e alimentos.
A quantidade de chuvas diminuiu drasticamente, e o aquecimento fez as florestas ficarem com maior vulnerabilidade aos incêndios. O enfraquecimento dos órgãos de proteção ambiental no governo anterior criou uma engrenagem poderosa movendo o desmatamento, o garimpo, a extração ilegal de madeira e a grilagem — com ligações com o narcotráfico. Em que pese os avanços alcançados pelo governo federal e governos estaduais, a situação ainda é muito crítica.
A poluição do ar em toda a Amazônia atingiu níveis de calamidade pública. Em Manaus, o nível de poluição do ar chegou a ser quase 10 vezes maior do que o índice considerado péssimo pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O impacto sobre a saúde humana é devastador. A poluição do ar pelas queimadas causa inflamação sistêmica, aumenta o risco de AVC, aumenta o risco de partos prematuros, pode causar fibrose pulmonar e diversas outras complicações para a saúde humana, não só hoje como no futuro.
Na Amazônia andina, onde nascem o Rio Amazonas e muitos de seus afluentes, os picos nevados não têm mais gelo permanente. Com isso, os povos originários daquela região, descendentes dos incas, collawa e outros, sofrem com as consequências trágicas da falta de água para a agricultura e a criação de lhamas e alpacas. É um dos casos mais simbólicos de injustiça climática: aqueles que menos contribuíram para o aquecimento global são os mais vulneráveis. Existe uma dimensão ética e moral para a crise que vivemos.
Não bastasse a tragédia em todas as regiões da bacia e bioma amazônico, temos o hiperacelerado degelo da Antártida e do Ártico, as tempestades no Rio Grande do Sul, a aridez crescente na África, as temperaturas recordes e o aumento da frequência e da magnitude dos desastres climáticos em todo o mundo. Como havia sido previsto pela ciência. Infelizmente, a realidade mostra-se pior do que os cenários mais pessimistas… O quadro é gravíssimo!
Por isso, é hora de todos os governos, nas suas diferentes esferas, apoiarem a elaboração e a implementação de planos de adaptação local. Entretanto, essa tarefa é importante demais para ficar apenas nas mãos dos governos. É necessário o engajamento das empresas, universidades, organizações da sociedade civil e todos os demais segmentos. É hora de repensar como vivemos, como consumimos, como trabalhamos e como nos preparamos para os eventos extremos que serão cada vez mais frequentes e catastróficos. Infelizmente.
É urgente buscar caminhos para a resiliência aos eventos climáticos extremos. O único lado bom disso é que a elaboração e a implementação de planos de adaptação e resiliência às mudanças climáticas podem criar empregos, que devem privilegiar os mais pobres e vulneráveis. Isso pode diminuir a injustiça climática. Os países ricos e a porção mais rica das nossas sociedades devem destinar recursos financeiros para esse esforço de adaptação e justiça climática. Afinal, estamos no mesmo barco. Não há planeta B. Temos que minimizar as chances de colapso das sociedades diante das mudanças climáticas. Isso deve ser a primeira das prioridades de todos. A era da adaptação às mudanças climáticas chegou e temos que ser realistas e pragmáticos. Não há outra opção e nem tempo a perder.
Publicado originalmente no site Correio Braziliense, em 09/11/2023