Por razões diversas, as atividades do Comitê da Bacia do Tarumã sofreram com a falta de continuidade e apoio político das sucessivas administrações.
Tenho acompanhado de perto a crise relacionada aos flutuantes no Rio Tarumã-Açu, em Manaus. É necessário construir uma solução para o atual impasse. Resgatando um pouco da história, desde há muito tempo os flutuantes fazem parte da paisagem do Tarumã-Açú. Em 2006, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS), por meio do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, criou o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açú.
O objetivo dessa iniciativa foi criar a base institucional para a gestão desse importante patrimônio natural do Amazonas, seguindo o marco regulatório do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997). Esse foi o primeiro Comitê criado na Amazônia. No Brasil, existem centenas de comitês legalmente constituídos. Por razões diversas, as atividades do Comitê da Bacia do Tarumã sofreram com a falta de continuidade e apoio político das sucessivas administrações.
Nos últimos anos, houve um forte aumento no número de flutuantes destinados ao lazer no Tarumã-Açu. Do total de cerca de 900 flutuantes, aproximadamente 73% são alugados para lazer ou funcionam como bares, restaurantes e outros serviços. O restante é ocupado por residências (21%) e outros usos.
Em 2006, a SDS fomentou a implantação de pequenas estações individuais de tratamento de esgoto em restaurantes, com a tecnologia desenvolvida pela FUCAPI. Algumas dessas estruturas ainda estão em funcionamento, como é o caso do Restaurante Peixe-Boi. Infelizmente, não houve continuidade nesse trabalho. Se todos os flutuantes tivessem adotado essa ou outras soluções mais modernas e sustentáveis, boa parte do problema atual não existiria.
A Bacia Hidrográfica do Tarumã necessita mais do que nunca de um plano diretor ou “Plano de Bacia”. Esse instrumento de gestão deve definir o zoneamento e as diretrizes de uso da terra e das águas na bacia. Trata-se de uma bacia hidrográfica com mais de 133 mil hectares e que possui uma população superior a 500 mil habitantes. Tudo o que ocorre nos bairros urbanos e na zona rural dessa parte de Manaus deságua nos igarapés e, consequentemente, no Rio Tarumã-Açu. A principal carga poluidora do Tarumã vem dos esgotos não tratados dessas áreas urbanas e, adicionalmente, do chorume do aterro sanitário de Manaus. Os flutuantes não são a principal fonte de poluentes do Tarumã.
A decisão da justiça teve um papel importante em mostrar a gravidade do problema e instar o poder público a enfrentar os desafios que a boa gestão ambiental impõe. A ação da Defensoria Pública do Amazonas, pedindo a anulação da sentença que determina a retirada dos flutuantes, pode ser vista como uma oportunidade para a construção de uma solução negociada.
Esse foi o caminho proposto pela Associação de Donos de Flutuantes do Tarumã, na forma de um Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental (TACA) entre a Associação, o Ministério Público do Amazonas, Vara de Justiça do Meio Ambiente, a Prefeitura de Manaus, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas. A Associação de Bares e Restaurantes do Amazonas (ABRASEL) também divulgou nota reivindicando a manutenção daqueles que operam de acordo com as regulamentações ambientais e que são importantes fontes de emprego local.
O TACA proposto daria tempo para a elaboração do Plano de Bacia para a gestão do Tarumã, que é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Isso poderia ser feito com apoio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e outras instituições. Cabe a esse plano estabelecer o zoneamento, a quantidade e os parâmetros para o funcionamento de flutuantes que a bacia suporta sem comprometer a sua sustentabilidade.
As recomendações da dissertação de mestrado de Solange Damasceno, da UEA, apontam caminhos para a reestruturação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu e podem ser uma boa base para enfrentar esse desafio.
É importante lembrar que flutuantes podem coexistir harmonicamente com a conservação das águas em áreas urbanas. Talvez o caso mais emblemático seja o das embarcações fixas nos canais de Amsterdã, na Holanda. Lá, e em diversas outras cidades europeias, essas embarcações fazem parte da paisagem e contribuem para o turismo, o lazer e a qualidade de vida. Se geridos de forma apropriada, os flutuantes do Tarumã podem ser um ativo importante para o turismo para quem nos visita e uma ótima opção de lazer para quem vive em Manaus.
Publicado originalmente no site A Crítica, em 17/03/2024
Créditos de imagem: Sema/divulgação/acervo