Justiça Climática: Amazônia precisa de um plano de adaptação - Blog Virgilio Viana

Justiça Climática: Amazônia precisa de um plano de adaptação

Justiça Climática: Amazônia precisa de um plano de adaptação
1 de dezembro de 2025 FAS AMAZÔNIA

A Amazônia necessita urgentemente de um Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas que deve ser iniciado pelo enfrentamento à injustiça climática dos guardiões da floresta, e ir além

A COP30 está chegando e a Amazônia será palco de um dos mais importantes encontros de lideranças globais sobre o futuro da humanidade. Será a primeira COP realizada após a média global de aquecimento atingir 1,55 °C em 2024, portanto, acima do limite considerado pela ciência como seguro para a humanidade.

Estamos diante de um planeta em transformação. A frequência e a magnitude dos eventos climáticos extremos – como secas, enchentes, ondas de calor e de frio, tempestades e furacões – vêm aumentando ano após ano. As cenas trágicas da seca na Amazônia marcaram 2024 e ganharam repercussão global.

Esses eventos extremos foram previstos pela ciência; a única surpresa é que a velocidade das mudanças climáticas globais tem sido maior do que a esperada. Esse cenário evidencia a urgência da adaptação climática.

Adaptar-se significa preparar-se para um mundo diferente daquele em que viveram nossos pais e avós; o mundo de nossos filhos e netos será ainda mais distinto. Isso reforça a necessidade de países, cidades e comunidades investirem em adaptação e mitigação para alcançar a resiliência climática.

Além de sediar a COP30, a Amazônia será objeto de debate, dada a sua importância para o equilíbrio climático do planeta. Suas florestas funcionam como grande regulador ecológico e sumidouro de carbono. O vapor d’água liberado pela cobertura florestal, somado ao fluxo de umidade do Atlântico tropical, forma os “rios voadores” que levam chuvas ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e a boa parte da América do Sul, inclusive a região dos Andes. Assim a umidade da Amazônia alimenta a produção agropecuária, a geração de energia hidrelétrica e o abastecimento urbano de água potável em todas essas regiões.

As florestas amazônicas armazenam cerca de 450 bilhões de toneladas de CO₂ – o equivalente a 70 vezes as emissões anuais dos Estados Unidos. Por outro lado, os mais de 50 milhões de hectares de áreas degradadas da região poderiam remover aproximadamente 36 milhões de toneladas de CO₂ por ano da atmosfera, contribuindo para a meta global de alcançar o mais rapidamente possível a neutralidade de carbono em escala mundial.

A taxa de desmatamento é menor em territórios protegidos por povos indígenas e populações tradicionais. Em terras indígenas, ela é 66% inferior à média regional; nas unidades de conservação, 21% menor. Os guardiões da floresta desempenham papel fundamental na redução do desmatamento na Amazônia e, consequentemente, na manutenção do regime de chuvas no continente e na diminuição das emissões de gases de efeito estufa.

Por outro lado, esses guardiões da floresta representam um dos casos mais emblemáticos de injustiça climática em todo o mundo. As emissões per capita dessas populações são muito pequenas. Isso significa que elas pouco contribuíram para o problema do aquecimento global.

Entretanto, elas são vítimas das mudanças climáticas que afetam seus territórios e os seus modos de vida e sistemas de produção. Para agravar, são também as menos assistidas pelo poder público e figuram entre os piores indicadores de pobreza do Brasil.

A Amazônia necessita urgentemente de um Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas. Esse Plano deve ser iniciado pelo enfrentamento à injustiça climática dos guardiões da floresta, mas deve ir além. É necessário considerar que a população urbana da Amazônia corresponde a cerca de 80% do total. As cidades da região possuem índices de saneamento e habitação muito inferiores à média nacional. Belém e Manaus possuem 57,2% e 55,8% da sua população em favelas e apenas 21,8% e 2,38% de tratamento de esgotos, respectivamente. As populações urbanas da Amazônia são extremamente vulneráveis às mudanças climáticas.

As reduções de precipitação estão afetando a produção agropecuária da região. É essencial desenvolver novas tecnologias para tornar os sistemas produtivos mais resilientes. A parte leste da Amazônia, especialmente os estados do Pará e Mato Grosso, com cerca de 30% de desmatamento, já apresentaram uma redução significativa das chuvas e um aumento de temperatura de aproximadamente 0,4°C a 0,5°C durante a estação seca. A região oeste, com uma taxa de desmatamento de cerca de 8%, também sofreu impactos, mas de menor magnitude, com pequenas reduções na precipitação e aumento de temperatura inferior a 0,3°C. Quanto mais desmatamento, maior é a redução das chuvas, tanto dentro quanto fora da Amazônia, e a intensidade e frequência de eventos compostos de seca e calor, aumentando o risco de queimadas.

A indústria e o comércio da região são afetados pelas mudanças climáticas especialmente pela logística. Os prejuízos da Zona Franca de Manaus com a seca de 2023 e 2024 foram estimados em R$ 1,9 bilhões em função das dificuldades de suprimento das indústrias e transporte de produtos para outros países e regiões do Brasil, consequência dos baixos níveis dos rios Amazônicos. O comércio, especialmente nos municípios aonde o transporte hidroviário é o mais relevante, também foi muito impactado.

A adaptação para as comunidades e aldeias onde vivem os guardiões da floresta requer uma atenção especial. Do ponto de vista ético e moral, essas populações são as que menos contribuíram e as que são mais vulneráveis. Portanto, cabe àqueles países e segmentos da sociedade brasileira que mais contribuíram para o aquecimento global, compensarem essas populações. Isso segue o princípio consagrado internacionalmente do “poluidor-pagador”: aquele que polui deve pagar pelo prejuízo gerado aos demais pela poluição.

Do ponto de vista racional, investir na resiliência dos povos da floresta aumenta a capacidade destes em defender a floresta contra invasores (grileiros, madeireiros, garimpeiros etc.), prevenir e apagar incêndios florestais e restaurar áreas degradadas por invasores ilegais.

O financiamento da proteção das florestas da Amazônia depende fortemente da cooperação internacional. Segundo o Banco Mundial, a cooperação internacional aportou cerca de US$ 5,8 bilhões para a agenda ambiental na região, enquanto as emendas parlamentares do Congresso Brasileiro, de acordo com dados do Portal da Transparência, destinaram apenas R$ 11,6 milhões efetivamente à Amazônia Legal, de um total de aproximadamente R$ 298 bilhões em emendas parlamentares empenhadas nos últimos cinco anos. É essencial ampliar os recursos nacionais e internacionais para promover a justiça climática e reduzir o desmatamento e a degradação florestal.

A COP30 nos oferece uma oportunidade única para uma profunda mudança na trajetória de desenvolvimento da Amazônia. O ponto de partida é um entendimento suprapartidário de que manter a floresta em pé é do interesse do Brasil e dos brasileiros, dos países Amazônicos, e de todos os segmentos: pobres e ricos; adultos e jovens. Considerando o lema da conferência, devemos fazer um mutirão pela justiça climática na Amazônia. Esse entendimento pode alimentar uma visão comum de que para manter a floresta em pé precisamos cuidar de quem cuida da floresta. Isso significa melhorar a renda, saúde, educação, moradia, acesso à água potável e energia elétrica, dentre outros, numa abordagem sistêmica. Ao estar no centro das atenções da COP30, os guardiões da floresta merecem um mutirão voltado para a adaptação às mudanças climáticas.

De quebra todos sairão ganhando os benefícios dos serviços ambientais das florestas protegidas pelos povos da floresta, incluindo as demais regiões do Brasil e de todo o planeta.

Publicado originalmente no site Um Só Planeta, em 27/10/2025

 

Créditos de imagem: Márcio Ferreira/Ag. Pará