O desafio da década 2010-2020: Amazônia - Blog Virgilio Viana

O desafio da década 2010-2020: Amazônia

O desafio da década 2010-2020: Amazônia
27 de abril de 2010 Vírgilio Viana
Imagem área do Rio Amazonas.

O principal desafio da década de 2010-2020 para o Brasil é a construção de um Projeto Nacional para a Amazônia. Afinal, ainda não nos decidimos, como nação, se o melhor é expandir nesta região o agronegócio – desmatando – ou se é melhor conservar a floresta – e em quais proporções. Também não existe clareza se a conservação da floresta atende mais aos interesses nacionais ou internacionais. Este desafio é urgente e deveria ocupar o centro do debate nacional.

A conservação da Amazônia tem muitas motivações; algumas de natureza subjetiva e outras de caráter objetivo. No imaginário coletivo, a Amazônia é o lugar dos mistérios, com suas florestas infindas e seus muitos povos indígenas – algumas dezenas dos quais ainda não contatados. Sua complexidade e mistérios despertam atitudes de proteção e cuidado, tanto junto aos povos da floresta, quanto àqueles que vivem nos centros urbanos do Brasil e do mundo. Isso, em parte, justifica a imediata e contundente repercussão na mídia nacional e internacional quando as notícias abordam desmatamento, queimadas e desrespeito aos povos indígenas.

Existe outro conjunto de justificativas para a conservação, de caráter racional e objetivo. Podemos citar a geodiversidade, com seu potencial para a indústria mineral, o potencial de produção florestal madeireira e não madeireira e a biodiversidade amazônica, esta com enormes possibilidades de desenvolvimento de remédios, cosméticos e produtos para os mais diversos fins. Afinal, a cada diversidade de plantas e animais corresponde uma variedade gigantesca de compostos químicos, praticamente inexplorados. Existe, ainda, as populações tradicionais e indígenas com seus preciosos saberes etnocientíficos.

Outras motivações para a conservação da Amazônia começam a emergir a partir da constatação da sua importância para o equilíbrio climático global. A prosseguir o atual ritmo de desmatamento e queimadas da Amazônia – somado aos efeitos da queima de derivados de petróleo e carvão mineral – estaremos todos fritos. Literalmente, antes do final deste século.

A esses benefícios indiretos da floresta para o equilíbrio climático global, chamamos de serviços ambientais. Estes serviços dizem respeito a todos os produtos não palpáveis da floresta: a troca de gases com a atmosfera, o sequestro de carbono, o amortecimento da chuva, a manutenção dos processos ecológicos etc. Nos últimos anos, as ciências ambientais têm avançado muito na quantificação dos serviços ambientais.

O estado da arte do conhecimento cientifico nos permite afirmar que os serviços ambientais da Amazônia são essenciais para a chuva que cai no restante do Brasil e em boa parte da América do Sul. De uma forma simplificada, podemos dizer que a floresta funciona como uma usina de processamento de água. Suga, como se fosse uma enorme bomba, a umidade do Oceano Atlântico. A chuva que cai na região leste é amortecida por uma complexa esponja florestal, composta pelas folhas, galhos, troncos e o solo, rico em matéria orgânica, minhocas e milhões de outros pequenos animais. A água que cai rapidamente se transforma em vapor d’água, que sai enriquecido por compostos químicos, denominados de compostos orgânicos voláteis. Estes compostos funcionam como aceleradores da formação de novas chuvas, atuando nas nuvens de baixa altitude.

As chuvas de segunda geração repetem o mesmo processo daquelas que iniciaram o processamento da água, desde o litoral do Oceano Atlântico até as encostas da Cordilheira dos Andes. No meio desta caminhada, a floresta produz alguns jatos que levam o excesso de umidade para fora da Amazônia. Este fenômeno, chamado
de jatos de baixa altitude, leva bilhões de metros cúbicos de água para o sudoeste (Chaco argentino e paraguaio) e sudeste da América do Sul (sul, sudeste e centro-oeste brasileiro). Ao longo do ano, a umidade exportada pela Amazônia para outras regiões é da ordem de 1,7 trilhões de metros cúbicos de vapor d’água, segundo estimativa do professor Enéas Salatti.

Podemos dizer que a chuva que cai nas demais regiões do Brasil é significativamente influenciada pelo processamento de água feito pela floresta amazônica. Se constatarmos que a chuva é essencial para alimentar as plantas da nossa agricultura e pecuária, como também para encher os rios que abastecem nossas cidades e as usinas de geração de energia elétrica, podemos dizer que a Amazônia é essencial para o futuro do Brasil.

Alterações na variabilidade das chuvas – com maiores cheias e secas – são previstas pela maior parte dos modelos de mudanças climáticas. Se desmatarmos a Amazônia é provável que esta variabilidade aumente, com sérias consequências sociais, ambientais e econômicas. Podemos, portanto, dizer que conservar a floresta é parte estratégica do interesse nacional. Além disto, os serviços ambientais prestados pela floresta amazônica têm valor para as sociedades industrializadas. Precisamos ser suficientemente inteligentes e estratégicos para transformar o interesse do mercado internacional em fluxo de recursos financeiros que nos permitam financiar o desenvolvimento sustentável da região.

É importante traduzir esta racionalidade científica dos serviços ambientais da Amazônia em políticas públicas coerentes e sérias. O desafio é construir um projeto nacional verdadeiramente comprometido com uma visão estratégica para o futuro e o bem-estar das gerações atuais e futuras. Este projeto deve conciliar os componentes social, ambiental e econômico, dentro do paradigma do desenvolvimento sustentável. É este o principal desafio da década de 2010-2020: construir e implantar um Projeto Nacional para a Amazônia. Não se trata de um projeto para atender a reclamos internacionais ou político-partidários mas, sim, um projeto estratégico para o futuro da região, do Brasil e do Planeta.


Publicado originalmente em 2010/2011