O Festival Folclórico de Parintins é certamente uma das principais manifestações culturais do Brasil. É também uma das principais expressões da alma amazônica. Parintins deve ser enaltecida não apenas pela sua exuberância e majestade como manifestação cultural, mas também é essencial considerar a sua contribuição para o futuro da Amazônia viva e a prosperidade do Brasil.
As toadas dos bois Garantido e Caprichoso, além de maravilhosas, possuem um posicionamento ético comum. Em maior ou menor intensidade, todas falam sobre a beleza e os encantos da floresta, rios, lagos e igarapés e o valor da cultura indígena. As toadas fazem com que a imponente beleza plástica das apresentações dos bois de Parintins adquira um posicionamento de defesa incondicional da floresta, contra o desmatamento, a poluição dos rios e a violação dos direitos dos povos indígenas. As apresentações dos bois em 2023 foram particularmente contundentes.
O Boi Caprichoso solicitou uma mudança conceitual em um dos itens avaliados pelos jurados, que deixou de ser denominado “Tribos Indígenas” e passou a ser chamado “Povos Indígenas”. A organização do evento aprovou essa alteração para 2023. A justificativa é que o termo é uma forma mais adequada de tratar com o devido respeito as culturas, tradições e identidade dos povos.
Em 2023, vale destacar a toada “Território Indígena”, que bradou um grito contra a história e a herança de opressão dos povos indígenas desde o período colonial: “antes da coroa tinha o cocar”. Indo além, a toada canta que “essa pátria pertence aos povos indígenas”. A cena de cabeças indígenas decapitadas pelos criminosos e as falas dos levantadores de toadas e convidados de cada boi foram eloquentes nas críticas aos invasores de terras indígenas e outros agentes da destruição da Amazônia viva.
O Boi Garantido ampliou sua tradição de valorização dos povos indígenas com uma homenagem muito emblemática ao Cacique Raoni, uma das mais importantes lideranças da história de defesa dos povos indígenas do Brasil. Em 2023, vale destacar a toada “Clamores da Terra”, um dueto que foi entoado na arena abordando a realidade que estamos vivendo através da letra que destaca “nos dias mais sombrios, respire a névoa o pó das cinzas, brasas queimando noite e dia, crimes imortais.”
Cantar sobre a Amazônia durante o festival, é uma forma de abrir os olhos de todos para situações graves que estão acontecendo e ainda podem vir a acontecer, e que esse canto de clamor da terra possa ser ouvido por todos.
Os dois bois possuem uma histórica e rica rivalidade nas disputas dos festivais. Ambos, entretanto, são irmãos na defesa da floresta e dos povos indígenas.
Essas toadas ecoam além dos festivais de Parintins: são tocadas nas rádios, exibidas em programas de televisão e compartilhadas nas mídias sociais. As toadas entram pelos ouvidos e olhares para se entranhar na essência das nossas almas.
Essas canções refletem a alma amazônica, conforme observado em pesquisas de opinião pública. Pesquisa feita em 2022, pela Action Pesquisas de Mercado, com 2% de margem de erro, mostra que 88,8% dos entrevistados concordaram que conservar a floresta faz bem para a melhoria da qualidade de vida da população, enquanto 69,4% dizem que não é necessário desmatar para desenvolver e 83,2% afirmam que queimadas de florestas fazem mal à saúde dos moradores da região amazônica.
A defesa da floresta em pé contra os interesses dos grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais é um dos maiores desafios para o futuro do Brasil. Disso depende a segurança nacional, uma vez que precisamos da água da Amazônia para abastecer com chuvas a produção agropecuária, geração de energia hidrelétrica e o fornecimento de água para o consumo das famílias, empresas e instituições do Brasil. Além disso, no contexto da crise climática, a proteção da floresta e o respeito aos povos indígenas é o que nos insere no concerto das nações – positiva ou negativamente.
Ao contrário do que muitos pensam, proteger a floresta contra os agentes da destruição não é uma agenda que outros países impõem ao Brasil. É uma agenda da alma amazônica, maravilhosamente expressa no Festival Folclórico de Parintins, um agente dessa batalha pela floresta em pé.
Apesar de discreta, a contribuição do Festival é extremamente significativa e deve ser objeto de enaltecimento e gratidão por todos que sonham e lutam por um futuro com a Amazônia viva e um Brasil mais justo e próspero.