Uma COP30 multilocacional - Blog Virgilio Viana

Uma COP30 multilocacional

Uma COP30 multilocacional
16 de setembro de 2025 FAS AMAZÔNIA

A crise internacional gerada pela carência de hospedagem a preços acessíveis e em número suficiente precisa ser enfrentada de forma rápida e racional. A rapidez é essencial para afastar a crise e permitir que as atenções se voltem para o conteúdo, e não para a logística da COP.  

2024 foi tanto o ano mais quente da história mensurada quanto o ano em que ultrapassamos o marco de 1,5 grau previsto no Acordo de Paris. Esse era considerado pela ciência como um limite seguro para o aquecimento global. Estamos diante de uma emergência climática: as inundações no Rio Grande do Sul, as secas da Amazônia e outras milhares de catástrofes climáticas em todo o mundo são alertas que não podem ser esquecidos. Precisamos tirar da pauta da conferência a questão da hospedagem, com a máxima rapidez possível!  

A racionalidade necessária deve ser pragmática e objetiva. A decisão de realizar a COP em Belém foi tomada quando o Brasil formulou sua candidatura, na COP27, em 2022. Não há espaço político para voltar atrás. Por outro lado, a aritmética da disponibilidade x oferta de leitos é simples: não haverá uma oferta de leitos, nem nos números nem nos preços requeridos, até novembro de 2025.  Não podemos correr o risco de ter um esvaziamento político durante o evento com a ausência de representantes que assegurem o necessário peso político para a agenda de ações climáticas. 

A presidência da COP foi extremamente exitosa em criar o conceito de “mutirão” e focar na agenda de ações concretas tanto para mitigação quanto para a adaptação climática, com ênfase em soluções socialmente inclusivas e baseadas na natureza. Esse foco certeiro não pode correr o risco de uma conferência esvaziada. O Governo do Pará tem sido muito exitoso em dotar Belém de uma nova infraestrutura e posicionar o estado como um exemplo de políticas públicas subnacionais para a agenda climática e o desenvolvimento sustentável. Essas conquistas não podem ficar ofuscadas por uma narrativa focada única e exclusivamente na disponibilidade de leitos para o evento. 

Há algum tempo venho defendendo uma abordagem multilocacional para a COP30. Seria algo como já aconteceu nas Copas do Mundo de Futebol. A abertura e o fechamento poderiam ocorrer em Belém, que seria a sede política da conferência. Eventos paralelos da Zona Verde e da Zona Azul poderiam ocorrer em outras cidades do Brasil. 

São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus já vão sediar eventos diversos durante o período da COP, e Brasília poderia sediar eventos também. Essas quatro cidades – e eventualmente outras – poderiam receber o reconhecimento oficial da Presidência do evento. Com isso, a disponibilidade de hospedagem deixaria imediatamente de ser um problema, pois essas cidades possuem imensa capacidade hoteleira. Afastado esse tema da agenda, restaria o foco naquilo que é fundamental: como ampliar as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. 

É certo que uma COP multilocacional dificultaria o contato de lideranças da sociedade civil, cientistas, movimentos sociais e empresários com as lideranças governamentais. Isso seria um custo inevitável. Entretanto, há um atenuante: esta é uma COP em que a pauta de negociações diplomáticas não é o foco central. A Presidência da conferência está resgatando as decisões já tomadas nos últimos 10 anos, desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015. A COP30 será um evento de implementação de ações para buscar o alcance de metas já estabelecidas e acordadas pelas partes da Convenção. 

Para compensar as emissões de carbono com o aumento do número de viagens aéreas pelo Brasil, estas poderiam ser compensadas por um programa de restauração florestal financiado pelo BNDES. Seria, inclusive, uma oportunidade para mostrar ao mundo o potencial que o Brasil possui para o sequestro de carbono por meio de soluções baseadas na natureza e socialmente inclusivas. 

Uma COP multilocacional permitirá a realização de eventos com o adequado conforto para os participantes. A ampliação da oferta derrubará os preços e multiplicará em dezenas de vezes a disponibilidade de leitos. Seria um choque de oferta que superaria a demanda de acomodação. Poderíamos ter um evento com mais de 100 mil participantes sem problema algum. 

Faço essa proposta como veterano: já participei de 24 COPs e sou um entusiasta desses eventos! Creio que a solução multilocacional é o caminho mais apropriado para assegurar que a COP30 seja o sucesso que o planeta precisa. Muito mais do que uma questão reputacional para a organização do evento, o que está em jogo é a emergência climática. Depois de três COPs em países produtores de petróleo e com pouca participação social, é hora de termos a melhor conferência de todos os tempos. É hora de a diplomacia brasileira mostrar a sua excelência e fortalecer o combalido multilateralismo. Temos uma oportunidade de ouro e não podemos desperdiçá-la. É uma obrigação moral diante do futuro que deixaremos para os nossos filhos e netos. 

 

Publicado originalmente no site Um Só Planeta, em 19/08/2025